Encarei-o sem saber se devia aproximar-me mais ou não. O que
ele estava fazendo na porta da minha casa quase às seis da manhã? E como ele
sabia onde eu morava?
— Finalmente. Pensei que se tivesse perdido pelo caminho. —
Falou levantando a cabeça para me olhar. Ele tinha um sorriso divertido no
rosto, coisa que sumiu quando notou a minha expressão.
Agora não havia a música alta nem a imensidão de vozes que
nos circularam. Não havia o intenso odor a tabaco ou a bebida. Pelo contrário,
agora os pássaros cantavam no calmo silêncio e o céu clareava enquanto o
orvalho fresco da madrugada aliviava os meus pulmões. E com tudo isso e a carga
de exaustão que eu sentia dominar o meu corpo fazia com que a voz de Quatro
causasse um efeito quase catastrófico em mim.
Senti um calafrio com a rouquidão em sua voz e aqueles olhos
castanhos conseguiram acorrentar-me de uma forma estranha. Eu não conseguia
entender. Nunca tinha acontecido algo parecido antes e eu não estava gostando
disso.
Retomei a postura e perguntei o mais óbvio.
— Você é o quê? Um assassino? Um ladrão? Raptor? — Perguntei
cruzando os braços de forma desafiadora. Acho
que não é a hora certa para ser corajosa Demi. Pensei enquanto ele ria.
— Se eu fosse um assassino você já não estaria viva, se
fosse um ladrão já não teria casa e se fosse um raptor não faria isso na minha
Ducati.
— Como se isso me assegurasse de que você não é um bandido!
— Retruquei impaciente. Tudo o que eu queria era um banho e uma cama para
dormir.
— Você acha que eu sou um bandido? — Perguntou erguendo a
sobrancelha. Quando ia para responder ele levantou-se e aproximou-se o
suficiente para me intimidar com o arregalar daqueles olhos castanhos.
Recuperei a postura rapidamente e respondi.
— Eu sei que não te conheço. Você poderia ser tudo e mais
alguma coisa e ainda assim, eu não te conheço. — Respondi desviando o olhar do
seu. Respirei fundo esperando que ele dissesse algo, mas ele apenas colocou as
mãos nos bolsos das calças jeans. — O que está fazendo aqui? — Perguntei
olhando-o novamente. Sua expressão estava relaxada e não tensa como eu vi no
bar, no entanto, ainda não era um Quatro diferente. — E como sabe onde eu moro?
— Você trabalha para o Steve e tem como colega de trabalho a
Kimberly. Não é difícil saber onde você mora. — Respondeu.
— Duvido que tenha sido Steve a dizer-lhe. — Falei com
certeza. Steve sempre foi como um pai, ou um padrinho. Nunca me iria expor
desse jeito para um desconhecido.
— Não foi ele. — Disse ficando mais sério.
— Kim?
— Também não. Isso não importa realmente. Até um cego
descobriria onde você mora.
— Certo. — Concordei por fim. O bairro não era tão grande
assim e talvez ele vivesse por perto. Já para não mencionar que toda a gente
conhecia toda a gente. Não seria assim tão difícil realmente. — Ainda não me
explicou o que está fazendo à porta de casa de uma garotinha. — Ironizei lembrando-me das palavras que ele usara para
me rebaixar no bar. Ele riu ao lembrar.
— Ah, não acredito que você levou as minhas palavras tão a
sério Demi. Pensei que fosse melhor que isso. — Disse girando à volta de meu
corpo e se encostando no monstro que era aquela moto. Vendo-o agora, de braços
cruzados sobre o peito, com os músculos tencionados de baixo da jaqueta preta,
e completamente relaxado contra a Ducati, eles pareciam combinar. Talvez
agissem como um só quando ele corria com ela por aí.
— Era suposto não me sentir ofendida? — Perguntei incrédula.
— Você partiu uma garrafa de cerveja na cabeça de um homem
que fazia dois de você. — Lembrou dando uma risada fraca. — Você pode ser
baixinha, gostosa e ter um desejo de morte, mas é corajosa. — Tentei ignorar o
fato de ele me achar gostosa e percebi que ele tinha razão. Ele conseguia
afetar-me de uma forma irritante, como ninguém antes fizera. — Isso não é uma
coisa de garotinha. — Concluiu desfazendo a postura e pegando umas chaves do bolso
do jeans. Vi-o subir na moto e colocar a chave na ignição. Deus, vê-lo montar
na Ducati tinha sido quente!
— Foi para isso que veio aqui? Explicar que não me achava
uma garotinha? — Perguntei confusa com a atitude dele.
Quatro não pareceu se importar com o que eu pensei no bar e
agora veio até minha casa de propósito por causa disso? Não faz sentido. Prendi
a respiração quando notei que ele abria um sorriso. Um genuíno, algo que ainda
não tinha feito. Estranhamente, aquele sorriso mexeu comigo. Não havia sinais
de deboche ou ironia. Era verdadeiro.
— Eu vim até aqui porque precisava ter a certeza de que não
estava a alucinar. — Explicou. Olhei-o mais confusa ainda. Ele parecia estar sóbrio,
mas não fazia o mínimo sentido. — Tinha que ter a certeza de que você era real.
Real o suficiente para ficar bem longe. — Disse com um meio sorriso.
— Não me parece que você queira ficar longe. — Rebati o
óbvio. — Caso contrário, não teria vindo até aqui às seis da manhã.
— Acredite boneca. Você é tudo o que eu procuro. — Disse
fazendo o meu coração acelerar por breves momentos. — Eu preciso ficar bem
longe. — Afirmou olhando-me de forma intensa. — E se eu fosse você, seria
inteligente e ficaria longe também. — Vi-o dar uma piscada, que eu pessoalmente
achei bastante provocadora, e ligar a Ducati, fazendo o motor rugir com força
para acalmar em seguida. Não consegui evitar um sorriso genuíno com as palavras
dele.
— Você vai ser um problema, não vai Quatro? — Perguntei
descruzando os braços e esperando uma resposta à altura.
— Eu não sou apenas um problema, Lovato. Sou Quatro.
Ele ainda sorria quando deu meia volta com a moto e desapareceu
ao virar a esquina da rua. Respirei fundo e percebi que o ar ainda não estava
livre do cheiro dele. Era como se ele ainda ali estivesse. Quando acordei do
transe em que me encontrava percebi que ainda estava parada na rua com um
sorriso idiota no rosto. Ri comigo própria da minha idiotice e corri para
dentro de casa.
Tirei as botas estilo militar e deixei a jaqueta em cima do
sofá na sala de estar. Se mamãe aqui estivesse iria implicar por eu estar
deixando coisas minhas espalhadas pela casa, mas como ela não está poderia
muito bem arrumar aquilo daqui a umas horas.
Corri para a cozinha e preparei uma sandes e um suco de
laranja. Comi sentada na bancada central e apreciei o silêncio da casa. Por um
momento tive o tempo para refletir sobre uma das noites mais loucas da minha
vida. O turno de sábado à noite tinha acabado por ser mais cansativo do que
qualquer outro turno e agora já entendo Kimberly. O que ela tem que aguentar
todas as noites e o que faz para se proteger, a fama que ela deixou que criassem,
agora eu entendia. Eu nunca seria capaz de agir como ela. Eu não tenho essa
confiança toda em mim mesma, mas faria tudo de novo.
Lembrei de Quatro e suspirei. Ele não era um simples garoto
e não era como os outros. Ele é lindo, misterioso, rude, bom de briga e com uma
tendência natural para se tornar um badboy. Ele é tudo aquilo do qual eu devia
querer ficar longe.
O meu celular deu o sinal de mensagem e levantei para ir
pegá-lo na jaqueta. Desbloqueei-o e fiquei surpresa ao ver que era uma mensagem
de Kim.
Ainda nem nasceu e já não me deixa dormir. Acho que tomei uma decisão.Posso falar com você mais tarde? Precisa ser pessoalmente.
Sorri e respondi que sim. Combinei um jantar aqui em casa
esta noite. Isso me daria umas boas horas para dormir antes de fazer o jantar.
Voltei à cozinha e terminei de comer, correndo para o meu quarto em seguida.
Enquanto me banhava dei por mim a pensar na suposta decisão
de Kimberly. Será que ela realmente tem o aborto como hipótese? Eu não sabia o
que pensar sobre isso. Quero dizer, a minha mãe é nova. Posso dizer que ela é
jovem ainda. Tinha a idade de Kim quando engravidou de mim, meus avós
rejeitaram-na quando descobriram que ela estava grávida fora de um casamento e
ela ainda estava na faculdade. Nem por tudo isso ela abortou de mim. Era
importante para Kim saber que não estava sozinha. Ela teria mais opções do que
aquelas que ela vê agora. Aborto não era uma boa decisão.
Pensar em tudo isso me levou novamente à questão do pai do
bebé. Ele podia ajudá-la nesta situação, mas Kim não pareceu muito à vontade
para falar sobre ele. Não acredito que ela lhe tenha contado ainda, também. Parecia
um segredo de estado. O pai podia ser qualquer garoto. Chicago estava cheia de universitários
bonitos no auge dos seus vinte e um anos. No entanto, não consigo tirar da
minha cabeça que Quatro pode ser o pai do bebé. Kim parecia uma boba apaixonada
e Quatro é alguém por quem uma garota se apaixonaria.
Resmunguei quando ouvi o celular tocar horas mais tarde.
Suspirei frustrada quando vi que era Elisa Lovato, minha mãe, e voltei a deitar
na cama ainda com a chamada por atender. Eu não sabia o que fazer. Não poderia
contar-lhe sobre a recusa da universidade por celular. Ela ficaria passada. Mas
eu conheço a peça bem de mais para saber que seria uma das suas primeiras
perguntas.
O silêncio encheu o quarto e eu olhei a chamada perdida no
aparelho. Eu poderia mentir e dizer que ainda não tinha recebido a carta. Não
há maneira de ela saber se eu já a recebi ou não. Isso era uma boa forma de
ganhar tempo até decidir como contar. Ouvi o clássico ringtone novamente e
respirei fundo antes de deslizar o dedo sobre o ecrã.
— Alô?
— Demetria Lovato, que
loucura é essa de fazer um turno de sábado à noite? — Ouvi-a perguntar do
outro lado da linha. É, a faculdade não era uma prioridade agora. Prendi uma
risada. Devia imaginar que ela já sabia.
— Você tem que parar de dar esperanças a Steve, mamãe. Isso
não é bom para a saúde dele. Nem para a sua. — Comentei sentando-me na cama e
apoiando as costas na cabeceira.
— Eu não sei do que você
está falando. — Respondeu com a típica falsa superioridade. — Eu não liguei para falar de Steve, mas sim
dos homens no bar dele. Desse idiota eu já cuidei. Que loucura foi essa Demetria?
Você sabe a quantidade de homens tarados há naquele lugar? Eles vêm as mulheres
como um objeto que eles podem usar e abusar e em seguida descartar. Além de que
são perigosos de mais. — Falou fazendo-me dar um pequeno sorriso.
Aquela era Elisa Lovato, a minha mãe. Protetora da raça
feminina e uma feminista definida. Não uma feminista simples que se dedica a
exercer os direitos de igualdade da mulher sobre o homem, mas uma feminista fanática
que se dedica a mostrar que ficar virgem até ao casamento é ser uma opção e que
dar corda a homens que dão cantadas ridículas é um caos. Trabalhar no Bourbon a
um sábado à noite era considerado uma atrocidade para Elisa Lovato.
— Mãe foi só um turno. Nada de mais. — Resumi.
— Nada de mais? Como
nada demais? Steve foi claro ao dizer que você se deu bem e que não houve problemas,
mas eu sei quando aquele cachorro vira-lata está escondendo alguma coisa e ele
estava escondendo alguma coisa. Me conte a verdade Demetria! — Exigiu.
— Eu acho que você e Steve deviam noivar de uma vez! — Falei
com um sorriso divertido.
— Está louca garota?
Casar nem morta! — Respondeu escandalizada. Casamento não era uma boa ideia
para ela. Na mente de minha mãe o acontecimento esperado por tantas mulheres no
mundo só servia para prender a mulher e torna-la uma escrava da própria casa.
— Admita que você quer ser de Steve, mamãe. — Insisti levantando-me
da cama e abrindo a janela que dava acesso há minha varanda. Estávamos no meio
da tarde e havia crianças da casa vizinha brincando no jardim. O dia estava
bastante ensolarado.
— Demetria, nós já
conversámos sobre isto uma vez e não acho que seja preciso tocar no assunto
novamente. Eu não vou, nunca, me envolver com Steve William. Agora se não se
importa tenho que desligar. Tenho mais uma conferência para preparar e aqueles
discursos não se preparam sozinhos. Prometo ligar mais tarde bebé. —
Revirei os olhos com o apelido carinhoso e sorri sabendo que ela estava fugindo
da conversa sem ao menos se lembrar da faculdade. Melhor assim.
— Certo, mãe. Mais tarde a gente fala. Beijos.
— E se vir Steve
diga-lhe que ele será um homem morto quando eu chegar daqui a duas semanas!
Ri depois de terminar a chamada e olhei o relógio. Corri
para o closet assim que vi que batiam as quatro da tarde e apressei-me a vestir
algo confortável, mas que não me fizesse parecer uma garota desleixada.
Kimberly viria dali a umas duas horas e eu ainda teria que dar um jeito na
casa, assim como preparar o jantar.
Ouvi o sinal de mensagem do celular e enquanto acabava de
fechar a calça jeans, caminhei até à mesa-de-cabeceira para ler a mensagem de
texto. Fiquei surpresa ao ver que era uma mensagem de Cappie me convidando para
sair. Eu não ficaria se fosse um encontro entre amigos, até porque gostei
bastante de Cappie, no entanto, com aquela mensagem eu fiquei nervosa e por
algum motivo bem óbvio para mim, ansiosa.
Amanhã às duas da tarde, na gelataria mais gostosa do centro. Eu, você, Jack, Kim e Quatro. Espero por você na entrada da sua casa às duas menos um quarto. Ass: Cappie Gostoso
Vocês merecem mais um capítulo hoje para compensar a minha demora. Espero que tenham gostado.
Beijos.
Aaaaa estou amando essa fic <3
ResponderEliminarposta logo pf :D
Ainda bem que está gostando.
EliminarPostei mais um capítulo :)
Amei!!
ResponderEliminarPerfeito!! Posta Logo!!
Quatro também vai para gelataria! Gostei hahahaha
Beijos
Quatro é sinónimo de problemas, acredite kkkk
EliminarPostei mais um capítulo :)
Perfeito Flávia! Quero ver como vai ser esse encontro entre amigos haha. By: Mine
ResponderEliminarJá pode ir descobrir. Postei :)
EliminarOiii sou leitora nova, e você esta divando com essa fic :)
ResponderEliminarEstou apaixonada! Você escreve super beeem! Estou ansiosa pelo próximo já!!
Continua por favor ...
Fabíola Barboza :*
Bem vinda :)
EliminarObrigada. Já postei mais um capítulo ;)