24/07/2014

Quando o Inesperado Acontece - 3º Capítulo


Ele não é aquele tipo de garoto que eu já vi pelo bar. Não é aquele tipo de garoto que se veste com camisas de marca ou que anda por aí com carros importados. Alias, ele não é como qualquer outro garoto de todo. Aquele é o género de homem do qual uma garota não deve estar próxima. É aquela versão que cheira a problema a quilómetros de distância.
Eu não vi quando ele entrou no bar e tão pouco notei a sua presença até que ele se fez notar. Aconteceu depois de eu voltar do banheiro privado do staff. Tinha lá ido para me refrescar um pouco e respirar fundo por dois minutos. Eu sabia que não estava cem por cento preparada para este turno, mas tinha sido eu a querer fazê-lo e por isso, devia ser eu a lidar com todo o tipo de pressão daquela noite.
— Você está bem? — Perguntou Cappie quando voltei. Ele estava afoito e claramente ocupado, mas ainda assim conseguia manter um olho em mim.
Cappie era o garoto extra que ajudava Steve nos sábados à noite ou quando alguém ficava de folga. Esse fato explica o porquê de eu não o ter conhecido antes. Ao que Jack me falou, Cappie é o tipo de pessoa que não precisa de um emprego como este por ter um futuro assegurado na Universidade de Chicago. Digamos que a família dele tem certos dotes que interessam à direção da instituição. Isso só me faz questionar o porquê de ele estar tão dedicado no que fazia com a tequila neste momento. Olhando para ele, eu não diria que era um garoto com pais ricos.
— Sim. Só precisava de respirar por dois segundos. — Expliquei pegando numa bandeja e num pano úmido. Vi Jack do outro lado do extenso balcão e sorri ao ver que ele usava os seus truques de barman para impressionar umas garotas universitárias à sua frente.
Saí de trás do balcão e segui até ao outro lado do bar, onde umas mesas altas estavam encostadas à parede e às janelas. Comecei a recolher os copos vazios para dentro da bandeja, limpando as mesas no processo, e senti-me ficar nervosa quando começaram a encostar muito em mim. Eu não tinha um problema em enfrentar o perigo. Normalmente respondia à altura quando algum garoto idiota fazia piada ou simplesmente socava o cara se ele abusasse da sorte, mas alguma coisa estava diferente hoje. Os homens pareciam mais altos do que o costume e idiotas também.
A música estava alta o suficiente para que Cappie ou Jack não me ouvissem do outro lado do bar e infelizmente, eu era baixa de mais para que eles me vissem também. Quando passei em frente à porta do bar e caminhei para a zona onde estavam as mesas de sinuca, arrependi-me de não ter levado a bandeja já meio-cheia para o balcão a fim de empatar tempo.
Um grupo de cinco homens, todos entre os trinta e os cinquenta anos, ocupavam a mesa mais próxima da porta. Nunca os tinha visto por ali antes desta noite, mas não fiquei satisfeita por tê-los como clientes. Tatuados, barbudos e alguns deles com a barriga típica de um homem desleixado, passavam bem por um grupo de motoqueiros se tivessem as jaquetas de couro. Eu não saberia lidar com eles caso algum tentasse algum atrevimento. Kim podia ser boa em lidar com todo o tipo de homem naquele bar, mas por muito que eu gostasse, nesse momento eu não era Kimberly.
Respirei fundo e decidi parar de fazer papel de idiota ao notar que algumas garotas me xingavam por estar impedindo a passagem. Tomei um fôlego de profissionalismo e tentei fazer o meu trabalho o mais discreta possível. Cheguei perto da parede e comecei a recolher os muitos copos vazios das mesas que rodeavam o jogo.
— Hei, garota! — Ouvi um deles exclamar. Parei o que estava fazendo e virei-me para olhá-lo. Parecia ser o mais novo de todos eles e o mais idiota também. Estava parado do outro lado da mesa de sinuca, com o taco em riste a frente do corpo e com um sorriso debochado no rosto. — Pode me trazer outra dessas. — Falou apontando para o copo de cerveja que eu tinha na mão. Aquilo não tinha sido um pedido e tão pouco uma opção. Tinha sido uma ordem.
— Lamento, mas vai ter que ir buscar ao balcão. Não servimos bebidas às mesas. — Expliquei. Era política estrita do bar. Queria beber, ia ao balcão, era atendido e pagava.
— O que está fazendo aqui então? Você não tem nenhuma utilidade se não me servir. — Respondeu de forma rude. Senti o meu rosto esquentar de raiva e antes que eu pudesse me conter, um sorriso irónico nasceu em meu rosto juntamente com a resposta na ponta da língua.
— Estou cuidando daquilo que um incapacitado como você não é capaz de fazer. — Dei as costas depois disso e peguei a bandeja de volta sem me importar se tinha recolhido todos os copos ou não.
— Olha, não é que a ninfeta tem a língua afiada? — Ouvi um outro exclamar num tom interrogativo. Quando me virei de novo para sair dali, vi que o que tinha falado estava impedindo o meu caminho, aproximando-se com um sorriso malicioso.
— É, a vadia não é como a Kim. — Disse o primeiro idiota. Olhei-o rapidamente e vi que estava com uma expressão furiosa. É, ele não gostou de ser contrariado. — Ainda não acredito que Steve tenha deixado uma garotinha trabalhar aqui. Deve ter-se perdido no caminho para o jardim-de-infância. — Ironizou.
— Não tem problema não. A gente dá um trato para ver se ela amadurece. — Falou o que me chamou de ninfeta.
Olhei-os com desprezo e preparei-me para retrucar quando senti um aperto na bunda tão forte que quase deixei cair a bandeja. Ouvi risos maliciosos de todos eles e senti um outro me agarrar o braço esquerdo, me impedindo de ir a algum lugar.
— Não me toca vagabundo! — Exclamei para o que me agarrava. O mesmo que me apertou a bunda queria passar a mão em mim de novo e eu me esquivei, tentando ao máximo não deixar cair a bandeja e fazer um escândalo. A música continuava alta e o espaço estava cada vez mais cheio. Mais pessoas entravam e menos espaço eu tinha para me mover e sair dali.
— Parece uma gatinha assustada. — Ouvi um deles falar. Olhei-o com raiva e com um solavanco consegui soltar-me do que agarrava o meu braço, acertando uma garrafa de cerveja na cabeça do desgraçado. — Caralho! — Xingou levando uma mão à testa. Arregalei os olhos quando vi que ele começava a sangrar e gritei quando o primeiro idiota se aproximou para me agarrar.
Alguém me puxou para longe e segurou a minha bandeja, me colocando atrás dele. Encarei o homem alto há minha frente e tudo o que podia ver eram os ombros largos e fortes sob a t-shirt azul escura. O início de uma tatuagem aparecia em sua nuca e seu cabelo era escuro e curto demais para ser Cappie ou Jack.
— Saí da frente Quatro. Tenho contas a acertar com essa daí! — Exclamou o que levou com a garrafa. Quatro? Era esse o nome do meu “salvador”? E eles se conheciam?
— Não me parece. — Falou tranquilamente. Mesmo com o som alto que ecoava no bar eu conseguia ouvir a voz dele. Rouca e extremamente sedutora. Um pouco grave de mais para ser um simples garoto bancando um príncipe no seu cavalo branco. — Você não vai tocar essa daí. — Disse tranquilamente, apontando para as suas costas. Apontando para mim.
— Saia da frente, garoto! — Insistiu.
Vi as omoplatas de Quatro subirem e descerem numa respiração profunda e o que aconteceu a seguir foi rápido de mais para eu sequer tentar impedir. Segurando a bandeja com um perfeito equilíbrio na mão esquerda, ele agarrou na cabeça ensanguentada do outro e o achatou contra a parede mais próxima, pressionando-o contra a mesma. Notei que ele mantinha uma expressão séria no rosto e fui incapaz de ouvir o que ele lhe disse ao ouvido.
Não importa o que tenha sido, o imbecil desapareceu com os amigos em seguida.
Quatro rapidamente se voltou para mim e por um momento idiota fiquei sem respirar.
Ele era lindo.
O homem mais lindo que eu alguma vez tinha visto. Os olhos castanhos, aparentemente comuns a outras pessoas, pareciam incrivelmente profundos enquanto ele me encarava. O rosto meio quadrado, os maxilares másculos, a barba por fazer e o nariz reto transbordavam masculinidade. Uma garota não precisaria de olhá-lo do pescoço para baixo para perceber isso, no entanto, eu não era qualquer garota e fiz questão de dar uma olhada completa no pacote. Oh, ele conseguiu deixar-me sem fôlego. Não que ele parecesse notar.
— Vem. — Disse pousando a mão direita no fundo das minhas costas. Engoli em seco ao sentir o calor de sua mão e deixei-me ser encaminhada de volta para o bar, evitando encarar as pessoas que se tinham apercebido da confusão. Talvez ele pensasse que eu estava assustada com a cena de há pouco. Ele não fazia ideia.
Quando finalmente atravessámos a multidão, respirei fundo ao ver o olhar confuso de Jack cair sobre mim e Quatro. Senti um frio incómodo nas minhas costas e percebi que ele não me tocava mais. Vi pelo canto do olho que ele pousava a maldita bandeja em cima do balcão de madeira. Ele afastou-se de mim sem dizer ou esperar uma palavra e sentou-se num dos bancos altos, à frente de Jack.
Voltei para dentro do balcão e quando me dirigia para recolher a bandeja e colocar os copos para lavar, fui intercetada por um Cappie com uma expressão engraçada. Sobrancelha direita erguida, mãos na cintura e um meio sorriso malicioso no rosto. Ele, claramente, percebeu que algo aconteceu.
— O que foi? — Perguntei quando ele me deixou passar. Praguejei mentalmente quando notei que a pia para lavar os copos era ao lado de Jack. Perto de onde estava Quatro. Caminhei para lá decidida a fazer o meu trabalho e pronto. Não queria mais problemas futuros com Steve. É óbvio que ele irá saber sobre o… incidente.
— Sua bunda gostosa deu problemas? — Cappie não se deu por vencido e perguntou alto o suficiente para chamar a atenção de Jack e Quatro que antes conversavam entre si. Ignorei o “gostosa”.
— O que aconteceu ali Demi? — Reforçou Jack me olhando sério. Estes dois não tinham trabalho a fazer?
— Nada de mais. A minha bunda não deu problemas. Não é culpa dela que os homens conseguem ser mais idiotas num sábado à noite do que em qualquer outra altura. — Resumi. Ouvi uma breve risada sarcástica. Seca. Encarei Quatro e ergui uma sobrancelha enquanto cruzava os braços sobre o peito. Quem ele pensava que era para estar rindo da minha cara na minha cara? — Algum problema? — Perguntei sem simpatia alguma.
— Ela com certeza não é a minha Kim. — Falou para Jack. — O que Steve tem na cabeça? — Completou retoricamente. Vi-o abanar a cabeça e voltar a dar atenção ao copo de cerveja à sua frente.
Ele podia ser lindo e até podia ter mãos quentes, mas com certeza não era perfeito. Se não fosse pelo idiota menstruado de há pouco eu não saberia o nome dele já que ele nem foi capaz de se apresentar. Não perguntou o meu nome sequer e como se não bastasse, age todo misterioso como se fosse o dono do mundo.
Bem.
Ele não é!
— Está incomodado com o fato de ser eu a fazer o turno da Kimberly? — Perguntei revirando os olhos. Eles pareciam ser íntimos pela forma como fala dela. Não que isso me incomodasse.
— Incomoda-me que Steve tome decisões precipitadas como colocar uma garotinha, que claramente não está preparada, para fazer o turno de sábado à noite. — Respondeu olhando-me. Tentei ao máximo manter o meu olhar no dele, mas a forma intensa como ele arregalava os olhos para mim fez-me sentir intimidada como nunca antes. — Você devia agradecer-me, caso contrário estaria sendo usada sabe lá Deus como. — Falou arrogante, voltando a sua atenção para o copo.
— Eu não tenho que agradecer nada a você! Que eu saiba não pedi a sua ajuda. Você apenas se meteu onde não era chamado. — Sim, eu sabia que estava sendo infantil, mas nunca ninguém me tirou do sério desta forma.
— Eu estou com você Demi. Você ganha esse round. — Falou Cappie ao meu lado. Ignorei-o e esperei uma resposta de Quatro, mas ele nem se dignou a olhar para mim.
— Se não se importam, eu vou voltar ao trabalho. — Resmunguei simplesmente, dando as costas e indo para o outro lado atender clientes que estavam esperando.
A noite foi passando e a minha animação foi voltando aos poucos enquanto eu me esforçava para esquecer o bate-boca com Quatro. Não é que me fosse permitido esquecer por muito tempo já que de vez em quando eu tinha que me aproximar de Jack por algum motivo e acabava por sentir aqueles olhos castanhos me queimando.
Das vezes que eu o encarei, Quatro não sorrira em nenhuma delas. Nem quando uma garota loira universitária se aproximou dele e ele fez questão de arrastá-la para um canto escuro do bar. Por algum motivo idiota ver aquilo me incomodou, mas eu tinha a certeza que era só por causa do nervosismo de mais cedo.
A certo momento, a noite foi dada como encerrada e Jack e Cappie trataram de expulsar o povo que não queria sair de livre vontade. Quatro já tinha sumido. Eu estava terminando de arrumar umas garrafas nas prateleiras e estava sorrindo satisfeita comigo mesma. Apesar da pequena confusão, eu aguentei uma noite inteira a um ritmo que eu estava longe de estar habituada. Naquele momento eu sabia que faria aquilo de novo se tivesse oportunidade.
— Demi, eu estou morto. Não quer me levar para a sua casa, me deitar na sua cama e me fazer uma massagem especial? — Perguntou Cappie sentando ao balcão há minha frente e deitando a cabeça sobre os braços na madeira. Ri da sua tentativa de parecer malicioso. Ele parecia tão exausto como eu sabia que me iria sentir assim que tomasse um banho e me deitasse na minha cama.
— Não me parece. Outro dia, quem sabe. — Brinquei fingindo arrancar seu cabelo loiro. Ele levantou a cabeça na hora e sorriu, me dando a língua. — Levanta de vez desse banco. Jack está trancando as portas, mas ainda temos trabalho a fazer. — Disse referindo-me à limpeza do bar. Jackson apareceu nesse momento e arregalou os olhos para mim.
— Você está louca? — Perguntou. — Você acha que depois de uma noite como esta nós conseguimos fazer mais alguma coisa? Olha como até o idiota do Cappie que parece sobreviver de energético está morto.
— E bem morto. — Murmurou levantando a mão para dar ênfase. Ri brevemente.
— Como fazemos então? Deixamos tudo isto assim? — Perguntei apontando para a bagunça.
— Você sabe que amanhã não abrimos, mas Steve faz questão de ser ele a tratar da limpeza depois de um sábado à noite. Ele só nos responsabiliza de colocar o dinheiro da noite no cofre, desligar tudo e trancar antes de sairmos. — Explicou.
— Certo. Vamos a isso então. — Falei.
Depois de tudo pronto Jack trancou a porta principal que faltava e saímos os três. A rua estava deserta e já se podiam notar os primeiros raios de sol ao horizonte. Estava amanhecendo e apesar de cansada, nunca me senti tão viva.
— Vamos, vou te levar a casa. — Disse Cappie.
— Espere, eu quero perguntar uma coisa antes de ela ir. — Interrompeu Jack.
— Tudo bem. Vou esperar no carro, donzela. — Avisou dando um beijo na minha cabeça e seguindo até ao Range Rover preto estacionado uns metros à nossa frente.
— O que há de errado Jack? — Perguntei ao notar que ele estava agitado. Vi-o passar uma das mãos por seus cabelos e despenteá-los um pouco mais.
— Você esteve com Kimberly antes de vir trabalhar, não esteve? — Questionou.
— Sim, fui ver como ela estava. — Afirmei.
— E como ela está? O que ela tem? — Perguntou. — Quatro perguntou por ela mais cedo e eu não soube o que responder. Disse-lhe que o avisaria mais tarde.
Claro. Quatro já tinha dado a entender mais cedo que era íntimo de Kim. Não me surpreende que ele quisesse saber mais sobre ela. No entanto, eu não podia contar da gravidez a ninguém. Não era um segredo meu para contar.
— Ela vai ficar bem. Foi só um mau estar. — Simplifiquei.
Jack assentiu, despediu-se e foi embora. Corri para o carro de Cappie e dei-lhe a minha morada. Eu vivia a uns cinco minutos de carro. Não era tão longe como aparentava. Suspirei cansada e relaxei no banco do passageiro. Olhei os raios de sol ao longe e então algo fez clique na minha cabeça. Quatro poderia muito bem ser o pai daquele bebé. Isso explicaria a sua preocupação e intimidade.
— Chegámos princesa. — Avisou Cappie. Sorri e agradeci pela carona.
Procurei as chaves de casa de forma desesperada na mala, já pensando que as tinha perdido e pensando na possibilidade de ir dormir a casa de Kim ou numa pousada. Quando as achei suspirei de alívio e segui em frente, atravessando a rua e o jardim da minha casa. Tomei um susto ao ver uma Ducati Monster preta estacionada na calçada de acesso à garagem e tomei um susto ainda maior quando me virei para ver quem estava sentado na escadaria de entrada para a casa.
Essa pessoa era Quatro.

Desculpem ter demorado quase duas semanas para postar. Não tenho tido muito tempo para escrever e muito menos para postar. Espero que gostem do capítulo mesmo assim :)Comentários respondidos. xoxo

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