Olhei-me ao espelho, alisei a camiseta preta dos Oasis e sorri
lembrando-me que eu parecia a minha versão adolescente. Peguei as chaves e a
carteira e dirigi até à melhor sorveteria da cidade. O lugar onde eu e Joseph
fomos pela primeira vez. Entrei no local e senti um arrepio na espinha com as memórias
que o ambiente me trouxe. Tudo parecia tão distante agora.
— Demi! — Chamou Valentina do outro lado da sorveteria. Caminhei até ela
que estava acompanhada por Brandon e disse um tímido olá. — Como você está? —
Perguntou comendo uma colherada de sorvete.
— Bem, dentro do possível. — Respondi dando de ombros. Brandon estava ali
e eu não me sentia muito confortável ao falar de Joseph na frente dele. Mesmo
sabendo o que ele achava de toda a situação.
— Acho melhor eu ir. — Disse ao perceber que eu não estava à vontade.
Olhei para ele como que pedindo desculpas e vi-o sorrir.
— Falamos depois? — Perguntou Valentina quando ele se levantou. Ele
assentiu e baixou-se para beijar sua testa carinhosamente. Desviei o olhar para
a mesa.
— Er, Demi. — Chamou me fazendo olhá-lo. — Eu sei que Joseph foi um
idiota, mas... — Esperei que ele continuasse. — Apenas quero que saiba que ele
está pagando por isso. — Disse dando-me um beijo na bochecha e seguindo para
fora do estabelecimento em seguida.
— O que ele quis dizer com aquilo? — Perguntei a Valentina. Ela devia
saber.
— Não sei. — Respondeu.
— Valentina. — Repreendi.
— Porque você ainda se importa? — Perguntou me fazendo arregalar os olhos.
— Desculpa. Eu sei que não é fácil, mas é confuso para mim o que ele fez. Eu
gostava dele. Achava que ele era legal. E achei que ele fosse o tal para você.
Não esperava uma coisa dessas e agora estou muito revoltada.
— Assim como foi com Travis. — Assumi. Ela negou e depois explicou.
— Eu sempre achei o Travis um idiota. Eu realmente não gostava dele, mas
com Joseph é diferente. Eu fiquei feliz porque você terminou com Travis, mas
com Joseph... Eu só não queria que ele tivesse feito besteira. Não queria que
ele pisasse na bola com você e foi o que ele fez.
— Sabe, a verdade é que a culpa não foi só dele.
— Demi, nem tente se culpar por essa besteira. Ele...
— Mas eu também sou culpada. — Interrompi calmamente. — Eu me atirei de
cabeça e deixei rolar. Achei que era capaz de viver uma vida sem compromisso
como você, mas a verdade é que eu não consigo e agora tenho a prova. De algum
jeito, eu sempre procuro mais do que sexo. No fim eu acabo sempre rachando a
cara porque não consigo travar meus sentimentos. A diferença entre você e eu é
que eu me apego muito rápido e... Apenas não dá certo.
— Certo, talvez as coisas sejam assim. — Concordou. — Mas isso não te
torna culpada. Foi ele que não foi o bastante para você. Foi ele quem escondeu
coisas de você e mentiu fingindo que estava tudo bem quando claramente não
estava. Não pode se culpar por isso. — Explicou. Suspirei e olhei a rua através
da janela.
— Acredita que mesmo depois de tudo eu ainda sinto a falta dele? —
Perguntei dando uma risada de descrença. — Faz apenas dois dias desde que a
gente terminou e eu continuo... Deus, eu devo ser louca. — Suspirei escondendo
o rosto com ambas as mãos.
— Louca não. Apaixonada. — Corrigiu. Olhei-a e batuquei os dedos na mesa,
mordendo o lábio nervosamente. — O que você tem para me contar? — Perguntou já
sabendo que havia coisa. Dei um meio sorriso. — Pode soltar a bomba.
— Eu acho que devo conversar com Joseph. — Falei vendo-a quase engasgar
com o sorvete.
— Você o quê? — Perguntou. — Enlouqueceu? Virou masoquista?
— Não, eu só... Não quero que termine desse jeito Val. Eu não sou uma
adolescente. Eu estava de cabeça quente quando o expulsei e não pensei nos meus
atos. Eu estava magoada e a verdade é que ainda estou, mas eu pensei e... Não
daria certo. — Conclui. — Você me conhece. Eu nunca iria permitir que ele
abdicasse da faculdade para ficar comigo.
— Mas parece que ele não faria o mesmo por você. — Disparou gesticulando.
Suspirei.
— Parece que não.
— Desculpa Demi. Eu só...
— Não, você tem razão. Eu não posso... O melhor é deixar para lá.
— Olha, você sabe que eu não sou a melhor pessoa do mundo para te
aconselhar, mas...
— Está brincando? É você quem me ajuda mais Valentina. Sempre está por
perto para me apoiar e me ajudou com Joseph. Eu não me arrependo de nada. Cada
momento que eu vivi com ele, cada carinho e cada loucura, eu não me arrependo.
Eu... Vivi.
— E eu estou muito orgulhosa de você por isso. Eu nunca tinha visto você
tão feliz Demi. É por isso que eu digo que deve fazer o que achar melhor. Se
achar que precisa conversar com Joseph, então faça.
— Você me lembrou dele agora. — Falei com um sorriso.
— Como assim? — Perguntou confusa.
— Ele disse-me uma vez que eu podia conquistar o mundo. — Falei
nostálgica.
É, eu não me arrependia.
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Sentei no sofá e puxei o cobertor para cobrir minhas pernas. Coloquei play
no filme Cartas para Julieta e peguei os meus inseparáveis Doritos. Passaram
dez minutos de filme e ouvi a campainha tocar. Fiquei nervosa sobre quem
poderia ser. Valentina não era, já que tinha-se acertado com Brandon. Meu pai
também não, se não avisaria. Então só me restou Joseph. Senti minhas mãos
suarem. Eu não estava pronta para vê-lo ainda, mas também não fugiria. Caminhei
até à porta e abri, dando de caras com Travis Queen.
— Oi Demi. Desculpa aparecer assim sem avisar. — Desculpou-se.
— Tudo bem. — Respondi com um sorriso fraco. Não estava com vontade alguma
de fazer sala. — Você quer entrar? — Perguntei por educação.
— Não. O que eu tenho para falar é breve. — Disse. Esperei que ele
continuasse, mas ele parecia procurar as palavras. — Eu sei que você e o Joseph
terminaram. — Falou me surpreendendo.
— Como você sabe? — Perguntei.
— Eu estava passando aqui na rua quando o vi sair com a mala no domingo
passado. Ele não estava com a cara mais feliz do mundo e eu imaginei que algo
tinha acontecido. Tive a confirmação depois quando os rumores na vida social
dele começaram. Você sabe. Aqueles amigos que ele tinha.
— Hum.
— Você está bem? — Perguntou colocando as mãos nos bolsos. Suspirei e
sorri. Ele não estava flertando de forma alguma.
— Vou ficar Travis. Eu sempre fico. — Falei com uma certeza que eu não
tinha.
— Eu sei que nós voltamos a ser amigos ainda muito recentemente, mas eu
queria convidar-te para ir no cinema na próxima quinta-feira. Apenas como
amigos! Não sei se você lembra o que costumávamos fazer. — Falou mostrando
insegurança.
— Eu lembro. — Disse com um sorriso. Todas as quintas-feiras Travis, eu e
as garotas íamos ao cinema. Valentina odiava, mas no final da noite era ela
quem gostava mais do filme.
— Eu achei que seria bom para relembrar os velhos tempos e para você se
distrair. Sei que posso não ser a sua pessoa favorita agora, mas... Não custa
convidar. — Deu de ombros.
Olhei-o por um breve momento e pensei no convite. Mais do que isso, pensei
sobre o porquê do convite. Travis não tinha aquela necessidade. Ele era lindo e
com certeza conseguia qualquer garota que quisesse. Mas ele estava ali, na
minha porta, com um casaco típico de jogador de futebol americano e com as mãos
dentro dos bolsos dos jeans justos. Ele queria algo de mim e claramente não
estava flertando. Travis não iria rastejar depois de tudo o que aconteceu. Não.
Ele estava mesmo sendo amigo. Ele tinha mesmo entendido que não havia volta.
— Eu aceito o seu convite. — Respondi por fim. Vi-o sorrir e vi seus ombros
relaxarem.
— Ótimo. Então, encontramo-nos lá ou quer que eu te venha pegar em casa?
— Eu apareço por lá Travis. É só me dizer a hora depois. — Disse com um
sorriso. Ele aproximou-se hesitante e beijou meu rosto, afastando-se
rapidamente. Fofo.
— Eu vou indo então. Qualquer coisa que precisar... Já sabe.
— Obrigada. — Agradeci vendo-o dar tchau e caminhar até seu carro.
Vi-o partir e logo do outro lado da rua, estava Joseph. Arfei ao sentir
seu olhar sobre mim. Pensei que ele fosse se aproximar e dizer alguma coisa,
mas ele apenas se afastou e partiu.
-----
Ouvi a campainha tocar de novo. Pausei o filme novamente e caminhei até à
porta. Devia ser Travis se esquecendo de dizer alguma coisa. Quando abri a
porta, deparei-me com Joseph. Prendi a respiração ao vê-lo ali e agradeci
mentalmente por estar apoiada na porta que me impedia de desabar no chão de
forma vergonhosa.
— Demi. — Disse com um tom de voz baixo. — Eu preciso falar com você. Eu
sei que pode não querer me ouvir, mas eu preciso que me escute. Por favor. —
Pediu.
Olhei-o e não me agradei com o que vi. Joseph estava com o rosto inchado e
os olhos estavam num leve tom de avermelhado. Sua barba antes rala estava agora
mais crescida e ele parecia visivelmente mais magro. Coisa que era loucura já
que só tinham passado dois dias. Abri mais a porta para lhe dar passagem e
deixei-o entrar. Era estranho vê-lo pedindo permissão para entrar. Mais
estranho ainda era o efeito que ele ainda causava em mim. Isso nunca mudaria.
— Eu não vou tomar muito do seu tempo eu só... — Pensei que ele fosse
dizer mais alguma coisa, mas ele parecia meio perdido no que vinha dizer.
Sentei no sofá e puxei o cobertor para mim.
— Porque estava parado em frente à casa ainda há pouco? — Perguntei com
curiosidade.
— Eu estava... Eu queria falar com você então...
— Mas você foi embora. — Lembrei.
— Eu vi você com o Travis.
— E então? — Perguntei confusa.
— E então? — Começo nervoso. Ergui uma sobrancelha esperando a continuação
do discurso, mas as palavras não vieram. Em vez disso, vi-o passar as mãos no
cabelo e sentar-se ao meu lado, na ponta mais afastada do sofá. — Eu não vim
para discutir. Não quero que me odeie mais do que já odeia, mas tem coisas que
eu quero que você saiba.
— Como o quê?
— Eu sei que errei muito em ter escondido aquilo de você, mas eu quero que
você saiba que nunca foi a minha intenção machucar você.
— Qual era a sua intenção?
— Eu não esperava me envolver com você e muito menos que fosse me
apaixonar por você. Eu sempre quis ir para esta faculdade e tenho trabalhado
muito para conseguir entrar. É o meu sonho e o plano era ficar aqui como os
meus pais queriam e quando terminasse, iria direto para a faculdade. Esse era o
meu plano. Era isso que eu tinha que fazer, mas...
— Eu me apaixonei por você. —Completei entendendo o que deu errado.
— E eu por você. Eu nunca imaginei que fosse... Nunca aconteceu comigo
realmente e agora... Eu estava disposto a desistir de tudo por você. Eu iria
desistir da faculdade e iria contar toda a verdade para você, mas não fui a
tempo.
— Eu tenho que te pedir desculpa por... Por ter tratado você daquela
forma. Eu não sou assim. Eu só...
— Você continua fazendo isso. — Ouvi-o dizer com um meio sorriso. — Você
continua arranjando uma forma de se culpabilizar mesmo que você não tenha feito
nada de errado. — Explicou. Ia falar, mas ele continuou sem me dar chance. —
Demi, eu mereci aquilo. — Falou fazendo uma careta. Provavelmente se lembrando
das coisas horríveis que eu lhe tinha dito. — Eu merecia muito mais. É você
quem não merecia — Falou agora me olhando. Senti um rubor em meu rosto e olhei
meus joelhos.
— Porque você não me contou logo no começo? Porque deixou chegar a este
ponto? Porque deixou que eu me apaixonasse por você Joseph? — Perguntei.
— Porque eu sou egoísta. Eu queria tudo. Queria poder ir para a faculdade
e queria poder ficar com você. Ainda quero. — Admitiu. — O que eu fiz não tem
perdão Demi. Eu escondi as coisas de você, mas eu nunca fingi sentir algo que
não sinto neste preciso momento. Cada segundo que eu passei com você, cada abraço
e cada palavra foram reais. — Eu podia ver em seus olhos que era verdade e no
fundo isso era o que mais me machucava. Ele me amava, mas não poderíamos ficar
juntos. — Cada beijo e cada toque. — Disse por fim. Suspirei ao ver que seu
olhar caiu sobre meus lábios e olhei a imagem pausada na tv para me distrair.
— Joseph, você sabe que eu nunca faria você escolher, não sabe? —
Perguntei voltando a olhá-lo. Ele assentiu com um sorriso. — Seria a primeira
pessoa no mundo a dizer para você ir e aproveitar o seu sonho.
— Eu sei.
— Vai continuar sendo assim. — Falei. — É por isso que as coisas não podem
dar certo entre a gente. Se não acontecesse agora, iria acontecer mais tarde ou
mais cedo. Você acabaria por me culpar por ter que abdicar do que tanto quer e
se não o fizesse, eu própria me culparia. Eu não quero isso. Não quero impedir
você de ir.
— Você sabe que eu ficaria. — Falou olhando suas mãos.
— Mas também sei que ficaria se perguntando como teria sido. — Disse me
aproximando dele. Toquei-o levemente no ombro e ele virou o rosto para me
olhar. — Quando você vai? — Perguntei acariciando sua Fénix.
— Quinta-feira. — Respondeu num sussurro. Assenti e sorri enquanto ele me
olhava. Senti o meu peito apertar ao ver o rosto de desespero dele e senti os
meus olhos lacrimejarem. Não demorou e já estava nos braços dele, sendo
apertada contra seu corpo e inalando o cheiro que me acompanhou durante tantas
noites. Acariciei sua nuca e senti seus lábios na curva do meu pescoço. — Eu
vou sentir muito a sua falta.
— Eu também Joseph. — Sussurrei de volta, soltando-o em seguida. Sim, eu
ainda me sentia magoada pelo que ele fez, mas ao mesmo tempo, eu o amava e não
me arrependia de nada do que tinha feito.
— Se lembra da conversa que tivemos quando você terminou com o Travis? —
Perguntou se afastando para me olhar.
— Sim.
— Se lembra de eu ter dito que ele não era o cara certo para se casar e
ter filhos? — Perguntou levantando-se.
— Sim. — Respondi me levantando e ficando de frente para ele. Não sabia
onde ele queria chegar.
— Bem, eu também não sou esse cara. — Disse colocando as mãos nos bolsos
das calças. Aproximei-me um passo.
— O que quer dizer com isso? — Perguntei.
— Quero dizer que você deve seguir em frente. Deve encontrar alguém que a
mereça porque a verdade é que você é boa de mais para qualquer homem desse
mundo. Começando por mim. Você sempre foi boa demais para mim e eu sempre soube
que você era especial. É por isso que merece alguém que seja igualmente
especial. E esse alguém não sou eu.
Eu sabia o que aquilo significava e era por isso que eu não iria
responder. Eu não gostava de despedidas e muito menos da pessoa que dizia me
amar. Não era justo comigo e não era justo com Joseph, mas eu não pediria para
que ele ficasse. Eu preciso aprender a deixar ir. Fechei os olhos esperando que
ele fosse desaparecer no ar, mas tudo o que eu senti foi o corpo dele próximo
do meu. Senti a sua respiração em meu rosto e arfei ao sentir suas mãos em
minha cintura.
— Eu espero que você reconsidere na decisão de recusar a promoção. Você é
merecedora dela. Mais que ninguém. — Sussurrou junto aos meus lábios. Esperei
por um beijo ardente como os muitos que tinham sido trocados, mas tudo o que eu
senti, foi um breve roçar de lábios.
Uma rajada de vento gelado esfriou minha pele e eu acabei abrindo os olhos
ao saber que ele já tinha ido. Voltei para o sofá e voltei a ver o filme
enquanto me aquecia com o cobertor que tinha o cheiro dele. Lágrimas escorreram
por meu rosto e eu sorri. Eu sabia que não conseguiria esquecer Joseph e sabia
que iria sentir a sua falta, mas também sabia que ele estaria feliz.
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