08/07/2014

Quando o Inesperado Acontece - 1º Capítulo


Aquela carta era explícita. Eu, Demetria Lovato, não tinha conseguido a bolsa na Universidade de Chicago. Eu sabia que seria difícil entrar na renomeada universidade privada, mas eu realmente tinha esperanças de que era capaz. Era para ser o meu futuro e agora ali estava eu, sentada no meio do stock de garrafas alcoólicas e chorando como um bebé. Eu realmente devia ter aberto aquela carta em outro lugar.
— Então boneca? Porquê esse choro em cima das grades de tequila? Existem melhores formas de afogar as mágoas, você sabe disso. — Ouvi Steve perguntar. Levantei o rosto e encarei-o sem me importar com a maquilhagem deslavada.
— Você pode não ser o meu chefe por cinco minutos e ser o meu melhor amigo? — Perguntei respirando fundo em seguida.
— Claro que sim. Vem cá princesa. — Gesticulou com as mãos. Travei o bico de choro e corri para abraçá-lo.
— Eu não consegui Steve. Eu não consegui a bolsa. — Disse-lhe enquanto voltava a chorar no seu ombro. Senti as grandes mãos, surpreendentemente delicadas em meu cabelo e funguei enquanto ele me fazia cafuné.
— Princesa, não fique assim. Não é o fim do mundo Demetria. Pode tentar novamente, não pode? — Perguntou segurando-me pelos ombros e afastando-me o suficiente para observar o meu rosto.
— Não este ano. — Disse limpando as lágrimas. — Se não consegui agora, vai ser impossível no ano que vêm. Ainda menos oportunidades vão dar por ter perdido um ano.
— Não é sua culpa Demi. Não há mais nada que possa fazer? Não há outra universidade que possa ir?
— Não Steve. Uma coisa é eu me matar a trabalhar para juntar o dinheiro para a universidade daqui, outra coisa é precisar de juntar muito mais para me estabelecer lá fora. Aqui eu tenho casa, amigos e tudo o que preciso. Não fora da cidade. — Suspirei limpando as lágrimas. Soltei uma risada incrédula e encarei o teto. — Que estúpida que eu sou. — Xinguei nervosa. — Devia ter criado um plano alternativo. Minha mãe sempre me disse…
— Você não é a Elisa, Demi. — Cortou seriamente. Olhei-o e respirei fundo com uma renovada vontade de chorar. — Eu conheço a sua mãe muito bem para saber que ela…
— Vai ficar desiludida. Para não dizer pior. — Completei. Steve riu e eu tentei achar a graça.
— Não princesa. Sua mãe acredita que as mulheres irão governar o mundo e tem todo o direito de defender os seus ideais. Ela só não pode te arrastar para esse meio. Você ao menos queria ir para essa universidade de riquinhos? Essa não é você, Demetria.
— Steve, a Universidade de Chicago é uma das melhores do país. É claro que eu iria querer. — Retruquei óbvia.
— Você ou sua mãe? — Perguntou erguendo uma sobrancelha. Olhei-o e bufei cansada, sentando-me novamente nas grades de tequila.
— Eu queria fazer isto por mim Steve. Sim, é claro que também queria deixar a mamãe orgulhosa, mas eu queria fazer principalmente por mim. Era o meu principal objetivo e sem ele não consigo fazer mais nada.
— Me escute pequena. — Pediu segurando as minhas mãos e me fazendo olhar nos olhos incrivelmente azuis. — Você não é uma desistente. Desde que eu me lembro de você pirralha, fazendo a sua mãe quase ter um ataque de coração por ter trepado a árvore do jardim da sua casa, que eu sei que você não é uma desistente. — Me lembrou. Sorri com a lembrança. Já nessa altura eu acabava com a paciência de qualquer um. — Você tem bravura dentro de você, tem humildade e o mais importante de tudo, é teimosa quando acha que deve ser. Não deixe que um não lhe feche todas as portas. Você não limpou copos e mais copos aqui no bar por nada. Não pode desistir agora. Se este ano lhe fechou uma porta, o ano que vem vai-lhe abrir duas. A vida me ensinou isso.
— Steve temos um problema! — Exclamou Jack entrando no armazém. — Kim ligou avisando que não está se sentindo bem e que não poderá vir esta noite.
— O quê? E ela só liga avisando a esta hora? Quem é que vai fazer o turno dela agora? — Perguntou exasperado. Suspirei e pela primeira vez resolvi fazer algo que Steve nunca exigiu que eu fizesse.
— Eu cubro o turno dela. — Falei olhando para Jack. Ele assentiu e voltou para a reposição no balcão.
— Você tem a certeza disso Demi? — Perguntou Steve.
— Sim, tenho. Se a Kim consegue eu também vou conseguir. Além disso, tenho que treinar daqui para a frente.
— Porquê? — Perguntou confuso.
— Preciso arrumar alguma forma de me manter ocupada durante doze meses. Acho que adicionar um novo turno é um bom começo.
— Mas você nunca fez o turno de sábado à noite. — Falou como se isso fosse uma desculpa para não fazê-lo. — Além disso, sua mãe vai cortar as minhas bolas se eu deixar você fazer isso. — Disse ao fazer uma careta. Ri pelo linguajar e arrumei um pedaço do cabelo castanho atrás da orelha dele. Steve sempre seria Steve.
— Primeiro, é só um turno. Segundo, eu não me importo de fazer esse favor para Kimberly. E terceiro, mamãe não vai cortar as suas bolas pelo menos por mais um mês. Ela está em negociações com os japoneses e dessa vez vai demorar mais tempo. — Falei com um sorriso malicioso. Steve tentou fazer cara séria, mas eu só ri.
— Muito engraçado. — Riu ironicamente, ficando mais sério em seguida. — É sério Demi. Se eu permitir uma coisa destas, será apenas por essa noite. — Avisou. — Ah, e você não pode fugir da sua mãe para sempre.
— Quem disse que eu estou fugindo? — Perguntei alarmada. É claro que eu estou fugindo. Quanto mais tarde eu contar as “novidades” para mamãe, melhor.
— Eu conheço você. — Lembrou.
— Eu sei. — Suspirei derrotada. — O meu verdadeiro problema é que se eu for para casa no final do meu turno não vou pensar em mais nada além desta carta e vou dar em louca. Ao menos aqui posso me distrair e vou ser útil em alguma coisa. Não me custa nada fazer isso. — Afirmei com total certeza. Eu me conhecia bem de mais. Até no trabalho eu iria pensar naquela maldita carta.
— Certo. — Concordou por fim. — Sendo assim você pode fazer o turno da Kim. Mas apenas por hoje. — Acrescentou. — Parece que os lobos saem há rua nos sábados à noite, por isso não se admire se encontrar uns quantos atrevidos. — Alertou. — Jack vai ficar para te ajudar, mas você está inteiramente autorizada a quebrar uns quantos narizes se precisar. — Falou piscando. Ele sabia que eu sabia me cuidar, mas não consegui evitar de rir com a ideia.
Depois de encerrada a conversa voltei a limpar e a arrumar os copos nas prateleiras. Ao olhar o ambiente rústico do bar acabei lembrando de como entrei no Bourbon pela primeira vez. Sim, Bourbon como o whisky.
Steve William é um antigo amigo de família e é quase como o pai que eu nunca tive. Apesar de ele não ter a consciência de que tenho essa noção, eu sei que ele tem uma queda pela minha mãe. Ele sempre se mostrou interessado de mais e conforme eu fui crescendo, fui entendendo o porquê dele fazer quase tudo o que a mamãe pedia. Não que fosse algo ruim. Eu amo o Steve. Apenas acho que a mamãe nunca serviria para ele. Eles são diferentes de mais. Minha mãe é complicada de mais.
Apesar de todas as coisas inacabadas entre eles, foi graças a isso que ele esteve presente na minha vida toda. Ele simplesmente estava lá quando deveria estar e não podia ser mais perfeito. De alguma forma, era ele a minha figura de pai. Solteiro e sem filhos, Steve meio que me apadrinhou. E com Steve veio Zachary Miles, seu melhor amigo, e o filho do mesmo, Jackson, o moço que trabalha comigo aqui no bar.
Bourbon é o nome escrito a néon azul lá fora. Quando completei dezasseis anos Steve me deu um lugar para trabalhar aqui no bar. Dono do mesmo e já com quarenta anos, apesar de novo, já se torna difícil para ele aguentar o ritmo intenso das noites. Ele precisava de uma ajuda nem que fosse apenas umas horas por semana. Comigo ajudando no serviço durante as tardes depois da escola, ele passou a cuidar apenas da gerência e da contabilidade. Era a minha responsabilidade ajudar na limpeza e na reposição do stock para a noite seguinte. Foi assim por uns três meses até que eu ganhei o meu primeiro turno. Oficial.
Hoje, a dois meses de completar dezoito anos, sou uma trabalhadora com contrato e com todos os direitos de qualquer trabalhadora-estudante. Agora, com o dinheiro preciso na conta bancária e com a recusa da universidade nas mãos, eu simplesmente não sei o que fazer. Sei que Steve me apoiará e acredito que mamãe, apesar de desiludida, acabará por aceitar. Não será esse o problema. Não. O problema é apenas uma questão.
O que eu farei durante os próximos doze meses?
Muitos turnos de sábado à noite? Bem provável.


Espero que tenham gostado do capítulo, os comentários foram respondidos e amanhã tem mais.xoxo

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