19/01/2015

Inocente Demetria - 5º Capítulo


Apartamento de Demetria, Princeton, NJ

— Selena! Cheguei! — Gritou depois de fechar a porta. Selena correu da cozinha até à sala com um grande sorriso e Demetria não conseguiu evitar sorrir de volta.
— Então conseguiu? — Perguntou animada. Viu a tristeza tomar conta do rosto da melhor amiga e foi até ela de braços abertos para um abraço. — Tudo bem Demi. Você vai conseguir.
Demetria queria acreditar naquilo, queria realmente, mas estava ficando cada vez mais complicado acreditar que conseguiria arranjar o emprego que tanto desejava. Estava se considerando um fracasso e sentia-se incapaz de continuar sua procura.

— Está muito complicado Selena, muito mesmo. Parece que escolhi o caminho errado. — Suspirou sentando-se no grande sofá preto. — Acho que devia ter seguido outra área qualquer. Eu não nasci para dominar uma empresa, nem para os cargos pequenos me contratam, quanto mais para gerir.
— Demetria, você é a melhor que eu conheço. Você é inteligente e sabe como e quando agir em todas as situações.
— Sério? Porque, sinceramente, eu não estou conseguindo agir nesta situação Selena. Eu não sei o que fazer. Se eu não tiver uma oportunidade brevemente, eu vou desistir e vou trabalhar em qualquer outra coisa. Eu não posso ficar à espera que uma oportunidade de trabalho me venha bater à porta. Isso nunca vai acontecer!
Selena ia responder quando se ouviu o soar da campainha. Franziu o cenho e olhou Demetria. Não esperavam visitas naquele momento.
— Vou abrir. — Falou encaminhando-se à porta de entrada. Demetria apenas escondeu o rosto em suas mãos e suspirou. O dia não estava sendo fácil e quem quer que fosse naquele momento, não tinha vindo na melhor altura.
Ouviu a voz de Austin e sorriu brevemente. Gostava do amigo de Selena, apesar de achar estranho o fato de eles serem tão íntimos com apenas algumas semanas de ‘amizade’. Mesmo Austin estando tão presente na vida delas nessa ultima semana, ainda havia coisas que Demetria suspeitava, como por exemplo, o fato de o ver sempre com um celular nas mãos e conversas suspeitas e o fato de uma conversa entre eles levar sempre direto à família de Demetria. Não entendia esse interesse de Austin em sua vida pessoal. Não eram amigos e muito menos partilhavam qualquer outro tipo de ligações. Ele era estranho, mas mesmo assim Demetria sorria sempre que o via. Era impossível não sorrir quando ele estava presente.
Ouviu Selena cumprimentá-lo e ouviu mais duas vozes masculinas. Uma delas calma e melodiosa e outra completamente diferente. Esta ultima era firme, intimidante e rouca o suficiente para provocar um arrepio na espinha. Demetria sentiu-se tremer e fechou os olhos. Não gostava da sensação de poder que uma simples voz tinha sobre ela.
— Demetria, está tudo bem? — Perguntou Austin ao vê-la encolhida nos próprios braços.
Das várias conversas que tinham tido, não tinha conseguido decifrar Demetria. Não conseguira obter quase nenhuma informação sobre a família dela, mas tinha percebido que algo muito mau tinha acontecido no passado para fazê-la mudar de assunto sempre que ele tentava saber mais. Demetria gostava dele, sim, mas não confiava. Ela desconfiava de todos os sinais que ele deixou para que ela notasse. Era um teste e ela tinha passado brilhantemente. Demetria não confiava facilmente nas pessoas, não se deixava ser manipulada e muito menos enganada. Era um ótimo começo. Tudo isso era bom, mas tinha percebido que ela andava assustada e frágil desde que o avô morrera. Ela não conseguia fingir por muito que tentasse.
— Está tudo bem sim. — Respondeu elevando o rosto.
Demetria tinha um lindo sorriso no rosto, afinal, Austin não era responsável por nenhum dos seus problemas, mas esse mesmo sorriso desapareceu no momento em que ela pôs os olhos em Joseph Jonas. Era o homem sinistro do cemitério, em seu lar.
— Prazer, sou Joseph Jonas. — Disse frio.
Joseph não demonstrava qualquer emoção. Tinha os olhos castanhos de mel mais doces que Demetria alguma vez tinha visto, mas sua postura provava o contrário. Sabia que estava paralisada, provavelmente parecendo uma idiota.
— Demetria, você está pálida. Eu vou preparar um chá pra você. Você teve um dia difícil e esses últimos tempos não têm sido fáceis. Deve estar a ficar doente. — Falou Selena completamente apressada. Demetria despertou do seu transe e logo evitou a confusão que estava causando.
— Tudo bem Selena. Não preciso de nada. Eu estou ótima. Você sabe que eu não fico doente facilmente.
— Super mulher? — Perguntou Austin divertido.
Demetria olhou de novo para Joseph que continuava a não demonstrar qualquer emoção e olhou para Austin. Não sabia para qual deles olhar. De alguma forma, sabia que eles já se conheciam. Talvez pela forma como agiam, pela roupa ou até pelo fato de Austin ter dado um olhar significativo a Joseph. Olhar esse que Demetria reparou pelo canto do olho.
— Não Austin. — Respondeu simplesmente.
— Então, como podemos ajudar os seus amigos Austin? — Perguntou uma Selena sorridente.
— Amigos? — Interrompeu Demetria mesmo antes de Austin responder.
Austin não respondeu e Joseph muito menos. Ela sabia que algo se passava ali. E tinha a certeza de que logo saberia o que aqueles homens estavam fazendo em sua casa.
— Você é inteligente Demetria. — Comentou Austin enquanto se aproximava um pouco mais. — Você nunca deixou de desconfiar de mim. Você é boa.
Demetria não disse nada. Sabia que ele estava certo.
— Como assim desconfiar? — Perguntou Selena confusa.
— Selena, eu nunca confiei de verdade no Austin. — Confessou Demetria. — Sempre tive meus motivos.
— Ele deu seus motivos. — Intrometeu-se Joseph. — Podemos ir diretos ao assunto agora? Não quero perder mais tempo. — Disse arrogante.
Depois que Austin e Selena saíram do apartamento, ambos os homens que restaram e Demetria sentaram-se na longa mesa de vidro da sala de jantar. Os papéis do advogado espalhados pela mesa despertavam a atenção de Demetria. Não fazia ideia do que eles poderiam querer com ela.
— O que querem de mim? — Perguntou com os braços cruzados sobre o peito. O olhar de Joseph incomodava-a e ela nem precisava olhá-lo.
— Que tipo de relação tinha com Jason Lovato? — Perguntou Joseph sem rodeios.
Demetria franziu a testa. Não gostava do tom de voz que Joseph usava com ela.
— Porque isso lhe importa? — Perguntou no mesmo tom. Joseph não gostou do tom de desafio na voz dela e muito menos de ela ter sustentado seu olhar. Ninguém o fazia.
— Demetria. — Chamou Peter, o advogado. — Já ouviu falar da Magestic Incorporated?
— Vagamente. É uma empresa de tecnologia informática. Uma das mais famosas do mercado nacional. Em 2009 foi-lhe dado o primeiro lugar no raking das empresas mais influentes no mercado informático por servir software à maior parte das pequenas empresas de todos os Estados Unidos. Mantém-se assim desde então. — Respondeu curta, direta e mostrando sabedoria, o que surpreendeu Peter.
— Sabe quem a geria? Sabe quem é o fundador da Magestic Incorporated? — Perguntou. Demetria negou e Joseph bufou. Estava cansado de rodeios.
— Você, como única neta, é a única herdeira da Magestic Incorporated e de todo o património do seu avô, Jason Lovato. Neste momento sou eu quem comanda a empresa. Você irá gerir. Vai ser a minha sombra nos próximos tempos para se poder adaptar. Depois de eu e os restantes chefes de departamento acharmos que está preparada, irá assumir a presidência da empresa.
Demetria olhou séria para Joseph e de seguida olhou para Peter. Tentou assimilar todas as palavras, mas não conseguiu, a gargalhada que explodiu em seguida não deixou que sua mente aceitasse a verdade. Ela não acreditava em uma única palavra que fora dita.
— Porque está rindo? — Perguntou Joseph visivelmente irritado. Demetria parou de rir e olhou-o em tom de deboche.
— Você está tentando dizer-me que o meu avô, que nunca me visitou e que nunca me deu oportunidade de visitá-lo desde os meus seis anos de idade, aquele que se dedicava inteiramente a uma fazenda no meio de Dallas, é dono de uma das maiores empresas do país? Como esperam que eu acredite nisso?
— Documentos senhorita Demetria. Aqui. — Disse Peter entregando todos os documentos que Demetria precisava ver e assinar.
Joseph observou-a atentamente enquanto ela analisava cada um dos documentos. Lembrava-se da descrição que Jason fizera dela e só uma coisa parecia bater certo. Os olhos. Os olhos castanho chocolate de Demetria eram hipnotizantes, com certeza, mas a tristeza e fragilidade que vira neles no dia do funeral, ainda estavam lá. Tinha curiosidade em saber o porquê. Estaria relacionado a Jason?
— Então quer dizer que eu tenho uma empresa em mãos e nem sabia? — Perguntou num tom de voz baixo. Se antes tinha alguma dúvida de que sua vida era uma mentira, agora tinha certeza.
— Você é um pouco lenta em raciocínio. Teremos que trabalhar nisso também? — Joseph estava tão impaciente e tão farto da presença da mulher à sua frente que era capaz de dar as costas e sair simplesmente. Infelizmente não podia fazer isso, tinha que levar aquela mulher com ele para Dallas imediatamente. Quanto mais tempo demorasse fora daquela empresa, mais facilmente o caus se instalava.
— Se vou ter que trabalhar com você, não quero nada. — Disse olhando Joseph nos olhos. Sentiu seu corpo estremecer com o olhar duro que ela lhe lançou, mas não baixou a guarda. Não deixaria que ele a intimidasse e humilhasse. Não deixaria um homem ter esse poder sobre ela. — Eu recuso a herança. Recuso a empresa, os terrenos, as casas, tudo! — Falou objetiva. — Não preciso de um homem arrogante e amargurado me dando ordens. Eu mesma estou à procura de emprego neste momento. Não quero o que meu avô me deixou, eu nem sei o porquê de ele o ter feito. Isso é demais pra mim.
Que infantil você é. Parece que não me enganei quando a vi naquele cemitério, é apenas mais uma menina inocente e infantil que não dá a mínima para o que se passa fora do seu mundinho de conto de fadas. — Disse debochado. Podia ver o rosto de Demetria ficando vermelho e sentia-se extremamente satisfeito ao ver que causava esse efeito nela. — Não seja egoísta a ponto de pensar só em você. Por acaso ainda não se deu conta de que tem centenas de famílias dependendo da sua decisão? O futuro deles está em suas mãos. Se recusar essa herança, tudo passa a pertencer ao estado e eu não poderei fazer nada contra isso. Não poderei ficar com a empresa nem se eu quisesse. Está na altura de parar de fazer birra e aceitar os fatos de que o mundo não gira em torno de você.
Demetria sentiu o ódio à flor da pele ao mesmo tempo que sentia seus olhos lacrimejarem. Fazia tempo desde que alguém a fizera querer chorar, não que ela o fosse permitir claro. Tinha o orgulho para proteger. Odiava homens arrogantes, odiava magnatas que pensavam que podiam pisar nos outros e agora odiava Joseph mais que qualquer outro homem no mundo. Bem, ainda haviam dois que conseguiam ser piores que ele, mas ela iria riscá-los da lista mental que sua cabeça formava.
Pensou em responder a Joseph, mas resolveu não o fazer. Ele tinha razão, ela não podia simplesmente deixar que centenas de pessoas, talvez milhares por todo o país, ficassem sem seus empregos por causa de seus medos. Ela sabia que aquilo era algo grande em sua vida. A Magestic Incorporated era quase um império. Tinha ouvido falar maravilhas da empresa antes e até já se tinha imaginado a trabalhar nela, mas ser presidente era algo que ela não esperava. Era impossível que a oportunidade de ter o trabalho que tanto desejava lhe batesse à porta, certo? Errado. Aquela era a prova.
Olhou os dois homens à sua frente e olhou a caneta ao lado dos documentos.
— Há quanto tempo trabalhava para meu avô Peter?
— Desde que ele fundou a empresa. Há quase trinta anos. — Respondeu sorrindo.
— Então agora será meu advogado. — Disse sem olhá-lo. Se Jason tinha confiança em Peter, ela também teria.
Joseph observou impaciente enquanto Demetria assinava todos os documentos necessários. Não queria mais lidar com ela, mas sabia que teria. Sabia que tinha que mantê-la próxima a si durante muito tempo, prometera a Jason e não quebraria sua palavra.
— Mais alguma coisa que seja preciso assinar Peter? — Perguntou Demetria entregando todos os documentos devidamente assinados.
Você não, mas Joseph sim. — Disse sério.
Desde que quando eu tenho que assinar alguma coisa? — Perguntou confuso. Não entendia, seu dever era trazer Demetria para a empresa e o advogado seria o único a tratar de toda a burocracia.
Desde que Jason colocou o seu nome neste testamento. A partir do momento em que assinar o documento que tenho em mãos, você será dono de cinquenta por cento desta empresa. Demetria não é a única herdeira.

Apartamento de Demetria, Princeton, NJ.

— Deixa ver se eu entendi, você é herdeira de uma das maiores empresas dos Estados Unidos, seu avô não cuidava de uma fazenda como a gente pensava, Joseph Jonas é o homem sinistro do cemitério, que na verdade é um Deus Grego como eu mesma nomeei, ele mesmo andou investigando toda a sua vida, ou grande parte, e você está fazendo as malas nesse momento porque tem que apanhar um avião para Dallas em apenas quatro horas? — Perguntou indignada enquanto observava Demetria arrumar as poucas roupas que tinha.
— Selena é tudo muito confuso para mim também, mas sim, é basicamente isso.
— Eu vou sentir a sua falta. — Disse já chorando. Demetria olhou-a e suspirou abrindo os braços para um abraço. Iria sentir falta de ver Selena todos os dias, mas sabia que manteriam contato.
— Eu não vou para Tóquio, sabe disso não sabe? — Falou fazendo a amiga rir.
— Claro que sei, mas não é fácil! Nós sempre olhamos uma pela outra. Quem vai olhar por você agora? Eu disse a Austin que se não cuidasse de você, eu mesma cortaria o você sabe o quê. Seria a maior desgraça da vida dele!
— Selena! Coitado do rapaz!
— Quando for visitar você lá no Texas, espero que você seja menos puritana. Lá tem muito cowboy que sabe montar. Tenho a certeza de que o seu gato, de nome Joseph Jonas, também sabe. Aproveite para dar uma cavalgada, se é que me entende. — Falou piscando para Demetria que corou bruscamente.
— Não fale dessas coisas assim. Você é uma depravada Selena. E Joseph não vai ser nada mais do que colega de trabalho! Não quero qualquer contato além do necessário com aquele imbecil. — Falou socando as roupas para dentro da mala de viajem.
— Ele é gostoso, da alta sociedade e vai passar muito tempo com você. Devia aproveitar para tirar o atraso. — Falou olhando as unhas.
— Eu não vou te ouvir mais. Tenho exatamente duas horas para estar lá em baixo à espera do carro que me levará ao aeroporto.
— Eu também te amo. — Retrucou irónica. — Agora a sério, prometa-me que vai se cuidar.
— Eu mesma vou olhar por mim Selena. Vou ficar bem.
— E não vai dizer nada ao seu pai? — Perguntou e viu o sorriso no rosto de Demetria desaparecer. Aquele sempre seria um assunto delicado.
— Não tenho que lhe dar justificações. E pelo que a minha vida vai mudar, ele saberá de qualquer jeito. Isso simplesmente não importa.
Selena não insistiu. Ajudou Demetria a fazer as malas enquanto riam no meio de besteiras que Selena dizia e logo estavam fora do prédio, aguardando o transporte que levaria Demetria até ao aeroporto.
— Me liga todo o dia?
— Ligo sim Selena. Eu vou ficar bem.
— Tudo bem. — Suspirou. — Eu acredito que vá, você é uma guerreira, nunca se esqueça disso! — Pediu segurando as duas mãos da melhor amiga.
Demetria sentiu seus olhos arderem e logo tratou de segurar as lágrimas. Não iria chorar.

“Todos os passageiros com destino a Dallas, vôo 488, façam favor de se dirigir ao portal de embarque…”

Essa era a frase que ecoava na mente de Demetria enquanto caminhava em direcção ao avião. Acreditava que esse era o começo de uma nova fase de sua vida. Queria acreditar nisso.
Quando se deu conta, já estava sentada em seu assento perto da janela na primeira classe. Olhava algum ponto lá fora e não dava atenção à conversa de Austin e Joseph na sua frente. Estava com os pensamentos perdidos no passado.
— Demetria! — Virou sua cabeça rapidamente na direção de Austin e sorriu. — Está pronta para a Magestic Incorporated? — O sorriso divertido que pairava no rosto do homem, mostrava claramente que este tentava animar Demetria. Sem resultados.
— Sinceramente? — Perguntou olhando Joseph. Este sustentou o olhar sem pestanejar. — Nem um pouco. — Disse descontraída ao ver a surpresa no rosto de cada homem, incluindo Joseph. — Mas estou preparada para salvar o sustento de centenas de famílias que o meu avô criou. Existe uma coisa chamada honra, Austin. — Falou olhando o céu azul. — Se tiver que mudar toda a minha vida para manter a honra dos Lovato, assim farei. — Olhou de novo para Joseph e disse com o tom de voz mais duro que conseguia. — Não sou egoísta e eu vou provar isso.

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