17/01/2015

Inocente Demetria - 2º Capítulo


Magestic Incorporated, Dallas, TX

— Você sempre gostou de ver a vista através dessa janela. — Falou enquanto colocava duas pedras de gelo em cada um dos dois copos de whisky.
— O que tem pra mim Austin? — Perguntou ignorando a observação do colega de trabalho. Joseph não precisava de suas observações. Muito menos das mais óbvias.
— Várias coisas que lhe podem ser úteis Joseph. — Respondeu sério. Sabia que Joseph não era um homem muito sociável, não quando se tratava de intimidade. Sentou-se na cadeira em frente à grande mesa de vidro e pousou o copo de Joseph na superfície fria. Esperou que Joseph se sentasse do outro lado para lhe entregar a pasta que tinha em mãos. Joseph pegou-a sem rodeios e abriu-a, começando a analisar todos os documentos e fotos que lá estavam até que encontrou o certificado de nascimento.

— Ela nasceu aqui? Em Dallas? — Questionou confuso. Não imaginava que ela tinha nascido na mesma cidade do avô e da mãe. Uma mulher como aquela cria raízes muito facilmente. Seria difícil se afastar. Porque estaria a viver em New Jersey então?
— Sim. Nasceu aqui e viveu os primeiros anos de vida antes dos pais decidirem mudar-se para New Jersey. — Explicou vendo a expressão desconfiada de Joseph.
— Hum, bem longe da família da mãe. Algum motivo grave aparente? — Pegou numa das fotografias e analisou-a. A mesma mulher do cemitério saía de um shopping em New Jersey acompanhada de uma outra mulher. Era bem visível o contraste entre as duas. Uma era confiante e com uma aparência de causar inveja em muitas mulheres e a outra era a mesma menininha inocente que Joseph vira no cemitério. Inocente e idiota.
— Não que se tenha tornado público, mas pelo que averiguei, o pai dela não se dava muito bem com Jason. Jason não apoiou o casamento. Por algum motivo.
— Interessante. Mais alguma coisa? — Perguntou largando a certidão de lado e pegando no próximo documento.
— Esse documento é o histórico escolar. Como pode ver ela sempre teve ótimos resultados, excepto num único ano. Achei isso bem interessante. Não faz sentido uma aluna desse calibre ter uma falha dessas em seu histórico.
— Verdade Austin. Não faz! Motivo? — Perguntou frio. Se queria conhecer a vida de Demetria tinha que saber tudo o que acontecera e a razão disso.
— Não havia relatórios de saúde ou de qualquer outra razão que justificasse essa falha. Nada concreto. Talvez tenha sido por causa de namorados. — Supôs.
— Ou algo familiar. Investigue isso. Quero saber mais. Quero a razão disso ter acontecido e quero saber quem pode estar envolvido. — Olhou para Austin e acrescentou com um tom de voz que faria arrepiar qualquer um que não o conhecesse. — Se a pessoa for um problema, já sabe o que tem que fazer Austin.
— Sei Joseph. Irei investigar isso e tentar obter a maior informação que conseguir. — Afirmou. Sabia que era o que Joseph queria ouvir.
— Ela estudou na Universidade de Princeton? — Perguntou erguendo outro documento. Austin conseguia ver a surpresa no rosto de Joseph, sabia que tinha sido lá que ele tinha estudado.
— Sim. Gestão Administrativa. Coincidência, não? — Perguntou sorrindo.
— Não acredito em coincidências Austin. — Afirmou olhando-o. Austin não iria discutir. Joseph sempre parecia ter a certeza daquilo que dizia. Ele tinha o controle. — Tudo tem um propósito, por mais ridículo que este o seja. Com certeza Jason teve algo a ver com isso, de outro modo, como ela iria suportar as despesas de uma universidade como Princeton? Pelo que sei os pais não eram propriamente ricos. Tem que ter mão de Jason Lovato nisso. Ele deve ter influenciado a escolha dela de alguma forma.
— O que o faz pensar que ela não pode ter escolhido essa área de livre e espontânea vontade? — Desafiou. Austin conhecia o modo que Joseph tinha ao pensar sobre mulheres. Ele conseguia olhar para uma mulher e ver como ela era. Austin ainda se perguntava se algum dia Joseph iria encontrar alguém no seu caminho que mudasse sua maneira de pensar. Muitas mulheres tinham tido essa oportunidade. Nenhuma delas conseguira. — Ela entrou na universidade através de uma bolsa de estudos, obteve a melhor qualificação e acabou entrando com mérito. Ela pode realmente ser cem por cento consciente daquilo que quer, pode gostar da ideia de ser gestora de empresas. É visível que ela se esforçou naquilo que fazia, foi a melhor aluna da sua área. — Insistiu.
— Austin, eu vi essa mulher no funeral de Jason. — Retrucou. Ele sabia o que vira e achava que não estava enganado. Ele nunca se enganara sobre uma mulher. Excepto uma única vez e isso bastou para que ele aprendesse. Não seria Austin a tentar fazê-lo mudar sua maneira de lidar com as coisas. — Vi como se vestia e vi suas atitudes. Ela não se destacava no meio de todas as outras mulheres e definitivamente, não aparenta ser o tipo de mulher que se envolve em negócios. Você sabe que nosso trabalho é feito por homens inteligentes capazes de negociar. São poucas as mulheres que se atrevem a nos desafiar. Você sabe que a competição é grande, sabe que elas não aguentam a pressão e por isso acabam saltando barco fora. Nós vivemos de aparências e você sabe. Agora diga-me Austin. — Pegou uma das fotografias e mostrou para o colega. A mesma fotografia das duas mulheres que observara anteriormente. — Acha que ela poderia aguentar toda a pressão? Acha que poderia viver de aparências? Acha que a falta de experiência dela pode competir com o que há lá fora? — Austin não respondeu. Sabia que Joseph estava certo. Seu trabalho não era fácil e havia vários sacrifícios que precisavam de ser feitos, mas acreditava que não deviam subestimar Demetria Lovato.
— Talvez tenha razão. Talvez tenha mão de Jason nisso. — Não iria discutir com Joseph. Não valia a pena. — Ele não lhe contou nada sobre a neta? Nada que pudesse ajudar?
— Só me falou o nome dela e mais algumas coisas que são irrelevantes no momento. — Falou despreocupado. Ninguém tirava Joseph do sério. Poderia discutir com ele que ele sempre teria uma contra-argumentação. Era como se nada tivesse acontecido. Sua postura e firmeza eram invejadas por qualquer um nessa profissão. — Não teve tempo para mais.
— Entendo. Sinto muito. Sei que eram grandes amigos.
— Sim éramos. — Disse simples. Joseph não era do tipo sentimental. Sentia falta do amigo e companheiro de trabalho, sim, mas não iria se lamentar pelos cantos daquela empresa. — Estamos fugindo do assunto principal, que é Demetria.
— Certo, desculpe. — Pediu apressado. Não tinha medo dele, mas tinha respeito. Joseph tinha razão, eles estavam fugindo do assunto principal. Respirou fundo e continuou a contar todas as informações que tinha conseguido obter até ali. — Ela não tem redes sociais e parece não ter muitos amigos. A única amiga que eu consegui obter informação foi uma tal de Selena Gomez, a mulher que está com ela nessa fotografia. Parece ser a melhor amiga de infância.
— Não me surpreende que o seja. Parece ser bem o tipo de Demetria. — Murmurou. — Namorados ou algo do género? Gays não contam, Austin. — Disse impaciente. Sabia que Austin estava se contendo para não rir nesse momento, mas a situação não era cómica. Era séria de mais para que se pudesse rir.
— Não. Não tenho informações de homens ligados a ela excepto um que atualmente está a viver em França. Eram colegas de escola.
— Que tipo de história têm, ou tinham? — Namorados não era boa coisa naquele momento. Joseph não precisava de histórias mal resolvidas na vida de Demetria. Se precisasse, ele mesmo as resolveria para eliminar seus obstáculos.
— Pelo que percebi até agora é uma história bem privada. Não consegui saber quase nada a não ser que eram muito amigos e algo aconteceu para que eles se separassem, algo grave. Pelo menos para um deles. Pesquisei informação sobre ele e parece que é um completo idiota.
— E a meu ver, se ele é idiota, parece que são almas gémeas. Se ele a abandonou e abandonou o que tinham, o quer que seja que eles tinham, é porque provavelmente ela não deu pra ele. — Disse despreocupado enquanto Austin arregalava os olhos. Joseph fitou-o e sorriu divertido. — Você não acredita que esta mulher seja liberal, acredita? Dá perfeitamente para ver que ela é do tipo inocente e eu já lhe disse isso. Ela não tem noção do perigo quando ele está presente. É fraca e incapaz de se impor. Não é o tipo de mulher que estamos procurando para o cargo… Como eu também já demonstrei. Sinceramente, pensei que ela fosse um pouco mais como Jason. Parece que me desiludi. — O tom sério em sua voz mostrava realmente a decepção. Austin só se perguntava como Joseph esperava que Demetria fosse. Esperava que ela fosse como algumas de suas amantes?
— Não acha que pode estar enganado? Quero dizer, pelas fotos que consegui dela e pelo que vi quando a segui diversas vezes, ela realmente parece o que você diz. Você até tem razão em tudo o que disse, ou quase tudo, mas nós realmente não a conhecemos.
— Sim Austin, tem razão quando diz que não a conhecemos, mas se tem uma coisa que eu conheço bem, são as mulheres. Lido com elas todos os dias e não me refiro a uma cama. Não apenas. E você já devia saber que eu raramente me engano. Eu sei o que digo quando falo de Demetria. E pretendo não falar muito mais vezes.
— E não acha que isso pode mudar? Não acha que ela possa mudar? Quer dizer, ela tem o nosso futuro em suas mãos e nem o sabe ainda. Por muito que ela não seja a pessoa certa para a posição em que vai ficar dentro desta empresa, ela tem que ficar. Nenhum de nós pode ir contra isso. Está escrito e só ela poderá mudar isso. Talvez, se ela souber da responsabilidade que tem nos ombros... Bem, pode ser que aprenda.
— E você acha que eu poderia ensiná-la? — Questionou incrédulo.
— Não tem ninguém nesta empresa que o possa fazer melhor que você. — Disse sorrindo divertido. — Joseph, você é um dos melhores negociadores a nível nacional, conhece esta empresa como a palma da sua mão e conhece o trabalho de Jason melhor que ninguém. É a pessoa indicada para a tarefa. — Explicou. Viu que Joseph ponderava a sua ideia e sorriu internamente.
— E se não funcionar? — Desafiou Joseph enquanto bebericava seu whisky.
— Métodos drásticos. — Respondeu sem rodeios.
— Não podemos passar logo para o plano B? Isso vai ser entediante.
— Desde quando uma mulher é entediante para Joseph Jonas? — Questionou divertido.
— Desde que essa mulher é Demetria Lovato.
— Você não sabe que segredos ela pode ter. As mulheres além de complexas podem ser bastante misteriosas. Ela pode ser um enigma. Sei que gosta de enigmas Jonas.
— Esse é fácil de mais. Quero que continue suas investigações e quero, e preciso, de informações sobre a família dela. Não é possível que não tenha qualquer indicação sobre isso.
— Ela saiu de casa para ir viver com Selena desde que entrou para a universidade.
— Seus pais têm que estar na cidade. Procure! — Ordenou.
— Quando o advogado da família Lovato terá autorização para fazer a leitura do testamento?
— Quando eu puder estar presente para ouvi-la. — Respondeu simples. Ao ver a confusão no rosto do amigo, explicou. — Eu mesmo darei a ordem de leitura, não se preocupe.
Austin terminou seu whisky e levantou-se para voltar ao trabalho. Depois de ver a porta ser fechada, Joseph pegou uma das fotografias da mesa de vidro. Esta, diferente das outras, continha apenas Demetria sentada num baloiço de parque. O vestido azul florido que ia até seu joelho destacava sua pele branca e seus cabelos estavam soltos dançando no vento. Parecia estar pensando e mantinha um sorriso triste nos lábios. Inocente e frágil. Tudo o que uma mulher não deveria ser. Joseph conhecera alguém como Demetria uma vez. E isso foi o bastante para saber que ela também não prestava.

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