19/01/2015

Inocente Demetria - 4º Capítulo


Mansão Jonas, Dallas, TX

As luzes da mansão estavam maioritariamente apagadas e o silêncio dominava o ambiente. Quem visse de fora poderia pensar que era uma mansão assombrada, quem lá vive ou quem já visitou sabe que é uma das mansões mais luxuosas que podia existir. Foram poucos os que tiveram sorte de a conhecer, Joseph não era de receber visitas na própria casa. O único que tinha o direito de fazê-lo quando bem entendesse, tinha falecido.

Joseph olhou para o próprio jardim da janela de seu escritório e observou a noite escura. Era como se olhar no espelho. Era solitário, intimidante, poderoso e amargo. Chegava até a ser triste. Não que ele ou alguém se importasse. Tinha mais em que pensar e o toque de mensagem recebida era prova disso.

“Estou infiltrado. Boa impressão que o senhor causou.
Senhor sinistro… Até que combina com você. - Austin”

Sorriu brevemente ao ler a mensagem de texto. Sabia que tinha contratado um idiota para trabalhar com ele, mas Austin se superava. Relaxou ao saber que teria mais informações brevemente. Estava cansado de lidar com crianças e queria resolver tudo isso de uma vez. Pena que o destino nem sempre era justo.
Ouviu batidas na porta e praguejou ao ver que não teria descanso tão rápido como pensava. Estava cansado e só queria uns momentos em silêncio com seu whiskey. Era tudo o que precisava. Ordenou a quem quer que fosse para que entrasse e voltou a sentar-se em sua cadeira de executivo que ficava de frente para a porta. Esperou pacientemente até que viu uma mulher de pele enrugada, mas saudável, adentrar seu escritório com uns papéis na mão.
— Desculpe interrompê-lo Joseph, mas preciso que assine estes papeís para amanhã.
— Porque tenho que ser eu Maria? É assim tão importante que não possa esperar? — Perguntou cansado.
— Eu disse que são necessários para amanhã! Lamento que o senhor não passe tempo suficiente em casa para saber o que acontece por aqui, e que eu saiba o senhor é que é… — Não terminou a frase ao ver o rosto cansado de Joseph e o olhar de aviso que este lhe lançava. — Não me olhe assim. Pode despedir-me se assim quiser. Mas você sabe que precisa de mim aqui. Por isso que não o faz. E se não quer ouvir mais do que o que já ouviu, apenas assine esses papeis e eu lhe deixarei em paz. Sabe que se não fosse necessário eu não o incomodaria. — Falou por fim. Joseph apenas a observou e sorriu de lado. Tantos anos de convivência e era isso que acontecia. Maria era a única pessoa do mundo capaz de desafiá-lo daquele jeito. Mais ninguém se atrevia a fazê-lo.
Analisou os papéis e sorriu. Maria raramente o via sorrir, mas sabia que ele tinha motivos para isso nesse momento. Estava orgulhoso da novidade. Ela mesma estava orgulhosa.
— Isto é verdade? — Perguntou olhando Maria, ainda sorrindo.
— É verdade sim. — Disse enquanto se posicionava ao lado de Joseph.
— Estou orgulhoso dela. — Falou agora assinando os papéis.
— Ficará ainda mais orgulhoso se estiver lá para ver. — Alfinetou. Joseph suspirou cansado. Sabia onde aquela conversa ia dar.
— Maria não comece. Você sabe que eu...
— Sim eu sei. — Interrompeu fazendo carinho no cabelo de Joseph. Um carinho materno que ele apreciava, apesar de não o demonstrar. — Também sei que está errado. Você vai se arrepender do que está fazendo. Vai perdê-la e depois só lhe sobrará solidão e dor. Você sabe do que estou falando Joseph, conhece a dor da perda. — Insistiu.
— Maria, você sabe que não vai me convencer. — Avisou
— Oh eu sei. Você é a pessoa mais teimosa que eu conheço. Mas por muito que você não esteja presente e isso a machuque, você a quer por perto e não pode negar isso. Seu instinto de proteção fala mais alto. Você tem que aprender a aceitar e a lidar com seus instintos. — Falou pegando os papéis da mão de Joseph. Bastou apenas uns passos em direção à porta para ouvir joseph chamar por ela com seu tom de voz agoniado. Ele nunca a enganava.
— Isso machuca-a? De verdade? — Perguntou com os olhos brilhando de angústia. Algo que raramente se via em Joseph Jonas.
— Tente ver com seus próprios olhos de vez em quando Joseph. Ganharia muito mais. — Disse sorrindo compreensível.
— O que quer dizer? — Perguntou confuso.
Maria suspirou. Joseph nunca entendera realmente seus conselhos até à hora de os usar. Preferia vasculhar a memória à procura de algo que o ajudasse com o problema do momento em vez de evitar esse mesmo problema.
— Experimente ver as coisas com o coração de vez em quando. Você usa demasiado essa cabeça e isso é péssimo. Isto não é a Magestic Incorporated Joseph, é a sua casa. Você pode perder qualquer coisa lá fora, mas não perde o lar. Só precisa cuidar dele. — Falou sorrindo enquanto via joseph engolir as palavras que com certeza lhe custavam a ouvir. — E não me peça para explicar algo que é óbvio. — Joseph apenas assentiu. Ele compreendia. — Aconselho-o a ir vê-la. Não perde nada por isso. — Finalizou andando calmamente até à porta do escritório.
— Obrigado. — Disse amargurado. Maria apenas o olhou e sorriu antes de sair.
Joseph pensou e repensou em tudo o que Maria tinha dito. Chegou à conclusão de que não podia mudar as coisas agora, não enquanto não cuidasse de Demetria. Sim, cuidar. Nunca pensou que teria que cuidar de alguém que era apenas alguns anos mais novo que ele. Tinha vinte e sete anos e isso nunca esteve em seus planos, mas ele sabia que tinha que o fazer. Tinha que cuidar dela em nome de Jason. Tinha feito uma promessa e iria mantê-la a todo o custo, mesmo que Demetria fosse como fosse.

Flashback On

Os dois homens andavam calmamente pelo jardim da mansão Jonas. Ambos sorrindo felizes enquanto falavam do novo campeonato de golf que se aproximava. Risadas femininas eram escutadas a metros de distância e isso só alargava o sorriso de Jason Lovato. Joseph nunca entendera realmente o porquê de Jason gostar tanto da risada de uma mulher. Seu amigo nunca fora dado a amantes e sua teoria era de que um homem só poderia amar verdadeiramente uma mulher em toda a sua vida. Joseph não partilhava da mesma opinião.
— Então Joseph, ouvi dizer que está envolvido num caso com Sarah. Verdade ou boato? — Perguntou divertido.
— Você sabe escolher suas assistentes, não tenho culpa nisso. — Respondeu malicioso.
Jason riu do descaramento do amigo e deu-lhe umas palmadinhas no ombro. Desde que conhecera Joseph pela primeira vez, sabia que ele era um galã. Sabia também que Joseph ainda se iria apaixonar loucamente. Conhecia a espécie. Só faltava a mulher certa.
Aproveitaram boa parte da tarde e Jason ainda tentava criar coragem para contar a novidade que o amigo precisava saber. Conhecia Joseph, sabia que ele não era sentimental, mas sabia que era a pessoa mais leal que conhecera. Era o homem ideal para cuidar de sua pequena quando já não fizesse mais parte desse mundo. Era o único em quem confiava de olhos fechados, o resto eram apenas peças num jogo de xadrez.
— Joseph, tem algo que eu preciso contar-lhe. — Comentou enquanto sentavam num dos bancos junto à fonte de mármore.
— Você sempre precisa Jason. Não viria aqui de propósito se não tivesse nada que me desejasse contar. Eu é que ás vezes prefiro acreditar que vem apenas para apreciar minha companhia. — Disse rindo acompanhado do homem de idade ao seu lado. Ele já sabia que Jason tinha algo sério pra falar com ele. Para ter adiado a conversa por tantas horas desde que chegou, é porque era algo grave. Não imaginava o que podia ser.
— Joseph, já fazem anos que a gente se conhece. Eu já tenho uma certa idade e já vivi muito tempo para aprender o que é a vida. Conheço as pessoas ao meu redor e sei quem está do meu lado e quem não está. Sei que você também sabe. Muitos não apoiam e criticam o fato de eu ter você, um moço de vinte e seis anos, como meu braço direito dentro daquela empresa. A verdade é que nenhum deles é merecedor da minha confiança como você é. Eu vejo você como um neto. Sangue do meu sangue.
— Agradeço sua confiança e todo o apoio que me deu quando eu mais precisei. Você estava lá quando mais ninguém estava. Eu nunca vou esquecer isso. — Disse cruzando os braços fortes e bronzeados sobre o peito duro. Os olhos castanho mel estavam fixos em algum ponto do horizonte, mas sua mente estava relembrando várias das conversas que tivera ao longo do tempo com seu confidente.
— Nós somos parecidos. Nenhum de nós é demasiado emocional além do que deve ser e somos ambos ótimos profissionais. É por sermos pouco emocionais que peço para que saiba lidar com esta notícia e é por sermos bons profissionais que eu lhe peço para manter isto em privado. Sabe o que eu quero dizer. — Sim, Joseph sabia. E se antes tinha alguma dúvida, então agora tinha certeza de que essa notícia não seria boa. — Fui diagnosticado com câncer cerebral. — Joseph não queria acreditar. Esperava qualquer coisa, menos aquilo. Um nó formou-se em sua garganta e fez o possível para não expressar qualquer emoção. Ele não era emotivo.
— Câncer? — Perguntou. Repreendeu-se mentalmente por fazer uma pergunta desnecessária. Ele entendera muito bem. Jason suspirou e riu brevemente.
— Os médicos dizem que já está bem avançado. Todos os sintomas que eu tive até agora… Devia ter notado faz tempo. Pensei que fosse da idade sabe? Um homem fica cansado às vezes. Nós, magnatas vivemos sob pressão constantemente. Não temos uma vida facilitada.
— Não há tratamentos? Algo que se possa fazer? — Perguntou esperançoso. Não queria perder o patrão e amigo. Quem lhe sobraria afinal?
— Joseph, um homem tem que entender quando é a sua hora. Existe tratamento, mas não acredito que vá funcionar. Nem os próprios médicos acreditam. Só iria adiar a hora e aumentar o sofrimento. Eu prefiro que acabe logo. Sabe que eu não sou de cerimónias.
— Nem para a chegada da morte. — Disse sorrindo forçado. Aquele homem era seu exemplo. Idolatrava-o mais que qualquer outra pessoa.
— Nem isso. Na verdade, sempre vou estar olhando por você e Demetria.
Joseph virou o rosto na direção do homem.
— Quem é Demetria? — Perguntou curioso e confuso.
— Uma linda garota de cabelos pretos, longos e ondulados. Um sorriso que faz qualquer um se derreter e uns olhos cor de chocolate que são capazes de hipnotizar. — Descreveu sorrindo. Joseph surpreendeu-se com aquele sorriso e forma de falar. Em todos estes anos nunca tinha visto Jason com um sorriso tão verdadeiro. — Ela é minha neta.
— Você tem uma neta? — Perguntou Joseph surpreso.
— Ninguém sabe. Além do meu advogado. — Falou agora sério. — Eu e ela não somos tão próximos como eu desejava que fossemos. Não queria que ela tivesse uma vida como a minha até estar preparada para isso.
— Como assim estar preparada? Não estou entendendo.
— Joseph, eu sei que já não tenho muito tempo, mas eu tenho um último desejo e confio em você para realizá-lo. Só você pode fazê-lo. Prometa que o fará.
— Posso saber primeiro do que se trata?
— Esse é mais um dos motivos de eu gostar tanto de você. Nunca faça promessas que não sabe se poderá cumprir. — Joseph não pôde evitar um sorriso. Tinha aprendido muito com Jason e essa era uma das lições que nunca esquecia. — Meu desejo é que tome conta de Demetria por mim. Cuide dela como se fosse a coisa mais importante do mundo. Em breve saberá o que precisa através do meu advogado, mas tem que ser você a encontra-la. Ela não conhece a minha vida realmente. Ficaria assustada com o tanto que não sabe sobre mim. Você é único em quem eu realmente confio para cuidar dela. Promete-me que vai cuidar dela?
Joseph analisou bem o rosto de Jason e sorriu. Não podia recusar um último pedido vindo dele. Não podia negar-se a fazer algo que era tão importante. Só havia uma dúvida em sua cabeça, seria ele capaz de fazer isso? Nem da própria vida ele conseguia comandar direito.
— Prometo. — Disse por fim recebendo um abraço apertado de Jason. Não sabia se conseguiria, mas faria o possível para se sair bem.

Flashback Off

Sabia que não podia quebrar a promessa que tinha feito. Por muito que Demetria não fosse o que esperava, não podia voltar atrás com sua palavra. Ele era um homem de palavra.
Pegou no copo de whiskey sobre a mesa de vidro e caminhou de novo até à janela do seu escritório. Tinha que resolver tudo isso de uma vez. As informações que tinha já eram o suficiente. Estava na hora de acabar com toda aquela agonia. Demetria precisava saber o que tinha em mãos. Pegou seu Iphone do bolso da calça preta que usava e procurou o número de Peter Anderson, advogado dos Lovato.
— Alô?
— Peter? Daqui fala Joseph, com certeza deve se lembrar de mim.
— Claro que sim. Como vai? — Ouviu-o perguntar simpaticamente.
— Ótimo obrigado. Liguei para avisar que a leitura do testamento vai ser semana que vem em New Jersey. Na casa da cliente.
— Tudo bem, lá estarei. Mais alguma coisa que precise?
— Não é tudo. Obrigado. — Disse por fim desligando a chamada em seguida.
Não podia mais esperar. A leitura do testamento iria acontecer e Demetria teria que saber lidar com o que tem, se não souber… Bem, ele de certeza daria um jeito.

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