Inocente Demetria - 6º Capítulo

The Joule, Dallas, TX

— Está preparada para o primeiro dia na sua empresa? — Perguntou uma voz divertida no outro lado da linha telefónica.

Demetria preparava-se física e mentalmente para o primeiro dia no seu trabalho. Não sabia o que esperar e não sabia se iria adaptar-se facilmente, mas esperava contar com Austin durante os primeiros tempos. Austin tinha-a colocado a par dos assuntos mais importantes na empresa no momento e dissera que iria ajudá-la quando Joseph não o pudesse fazer.

Apesar de não confiar totalmente nele, estivera a viajem toda a ouvir o porquê de Austin a ter seguido e aparentemente conhecer Selena tinha sido um bónus que realmente gostou. Ela agora compreendia o porquê de Joseph querer todas aquelas informações sobre ela. Compreendia que ele queria saber quem era a neta de Jason Lovato.

— Ainda não consigo lidar com o fato de meu avô ter-me deixado uma empresa em testamento Selena. Como ele espera que eu lide com algo dessas dimensões da noite para o dia? — Falou enquanto procurava sua camisa bege. — Já para não falar que terei que tomar qualquer decisão em conjunto com Joseph Jonas. Como acha que vai ser a minha vida daqui para a frente? Eu não o suporto e ele não me suporta, e não faço ideia do porquê de ele me odiar tanto. Isto não vai resultar! — Reclamou. Ouviu Selena rir e revirou os olhos.

— Vocês ainda vão acabar juntos numa cama! Escreve o que eu estou dizendo Demetria Lovato!

Demetria apenas suspirou. Estava realmente preocupada com o fato de a sua vida ter dado esta reviravolta tão grande. Não gostava de Joseph desde o primeiro momento e sabia que ele também não gostava dela, ele tinha mostrado isso. Toda essa raiva que tinha crescido entre eles não iria ser bom para a empresa e ambos teriam que colocá-la de lado e agir como verdadeiros profissionais.

— Selena esquece essa ideia de eu e o Joseph podermos vir a ter alguma coisa futuramente. Eu não quero nada com homens neste momento e muito menos com Joseph. E além disso, está mais do que claro que mesmo se eu quisesse eu não seria mulher o suficiente para ele. Apenas evite esses comentários, pois não tem fundamento algum. Eles conseguem ser perturbadores às vezes. — Pediu. Apesar de o seu tom de voz ser calmo, ela tinha vontade de gritar. Aquele tipo de comentários podia ser bastante enervante.

— Demetria, eu vi com os meus próprios olhos quando vocês se olharam na minha sala de estar. Vi os seus olhos brilhando e acredite que isso é uma visão rara quando o assunto é homem. Admita que todo o poder que ele exala só torna os seus joelhos fracos. Admita que ele faz o seu corpo aquecer. — Demetria não conseguia ver, mas sabia que a amiga estava sorrindo e provavelmente dando pulinhos.

— Eu não vou admitir coisa nenhuma Selena! A única coisa que eu senti e ainda sinto por ele é raiva por se achar mais do que eu. Eu não esqueci o modo como ele me olhou no cemitério e muito menos o modo como falou comigo na leitura do testamento. Ele é só mais um homem arrogante no meio de tantos. Eu achei isso desde o começo e depois ele mesmo me provou que eu estava certa. Agora se quiser falar mais alguma coisa, fale porque não me quero atrasar para o meu primeiro dia. — Correu para pegar o seu blazer azul-escuro em cima da cama.

— É verdade que ficou instalada na suite presidencial de um hotel cinco estrelas? — Demetria podia imaginar os olhos brilhantes de Selena e sorriu olhando a janela da sua grande suite antes de sair pela porta do quarto.

— O Jonas gosta de coisas em grande. Ficarei aqui nos próximos dias. Pelo menos foram estas as instruções dele. Não me posso queixar Selena.

— Sortuda, eu deveria estar nesse hotel com você. — Demetria correu até ao elevador e apertou no botão de chamada.

— E eu adorava que isso acontecesse, mas agora tenho de ir! Deseje-me sorte!

Demetria desligou o aparelho e entrou no elevador que acabara de chegar. Desceu ansiosamente e encontrou a SUV preta que esperava por ela na entrada do hotel. Sorriu para o motorista particular que lhe abrira a porta e entrou. Sentiu o carro em movimento e respirou fundo. Encontrasse o que encontrasse naquela empresa, ela teria que saber lidar com isso.

Magestic Incorporated, Dallas, TX

Demetria parou para observar o grande hall do enorme edifício. Estava fascinada com tamanha beleza. Vidro, mármore branco e a boa iluminação conseguiam dar um ar de leveza e descontracção ao ambiente, mas os homens devidamente vestidos que entravam e saiam correndo com os seus smarphones na mão ou com documentos importantes para alguma reunião, mostravam que as coisas não eram assim tão descontraídas mas sim profissionais.

Viu as placas de sinalização dos departamentos presas na parede ao lado de cada um dos três elevadores e viu o grande balcão da receção à sua frente. Uma mulher esbelta de cabelos loiros e bem vestida no seu terno cinzento estava sentada na confortável cadeira de pele. Fazia alguma coisa no computador de alta tecnologia à sua frente e cada vez que algum homem se aproximava ela dava um sorriso forçado. Demetria perguntou-se se era assim tão mau trabalhar num lugar como esse. Aproximou-se devagar tentando chamar a atenção da mulher e viu que esta sorriu para ela, desta vez com um sorriso verdadeiro.

— Bom dia, posso ajudá-la? — Perguntou educadamente.

— Bom dia. Err… — Murmurou enquanto lia o nome da mulher no crachá no lado esquerdo do peito. — Claire, poderia me dizer onde posso… — Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, sentiu uma mão forte segurando firmemente o seu cotovelo e um perfume másculo a envolvendo. Joseph Jonas.

— Bom dia Claire. — Cumprimentou com um tom de voz que fez arrepiar Demetria da cabeça aos pés, não por medo, mas sim pelo poder contido nela. — Esta é a senhorita Lovato, ela está comigo e a partir de agora tem permissão para entrar quando queira nesta empresa e em qualquer departamento. Sabe se Austin já chegou? — Demetria olhou-o pela primeira vez e viu a expressão séria no rosto dele. Viu que ele não a olhava uma única vez mas reparou que ele não largava seu cotovelo.

— Não senhor Jonas, quer que dê algum recado? — Perguntou prestativa.

— Assim que ele chegar, diga-lhe para ir ao departamento de recursos humanos para contratar um assistente para Demetria. — Demetria viu a confusão no rosto de Claire e sentiu a respiração quente do suspiro de Joseph em sua nuca. Sentiu seu corpo tremer e percebeu o aperto da mão de Joseph em seu cotovelo aumentar quase despercebidamente. Quase. — Demetria é a senhorita Lovato aqui. — Respondeu mostrando impaciência.

— Claro, desculpe. — Disse envergonhada. — Avisarei o senhor Austin assim que ele chegar. Precisa de mais alguma coisa senhor Jonas?

— Por agora é tudo. — Demetria sentiu-se ser puxada em direção a um dos elevadores, mas assim que deu o primeiro passo, sentiu-se ser puxada de novo, ficando assim ainda mais perto de Joseph. — Só mais uma coisa Claire, a senhorita Lovato é a vossa presidente agora. Pode deixar o boato circular, mas não fora das paredes desse edifício, nada é oficial ainda. Fui claro? — Claire apenas assentiu rapidamente e sorriu para Demetria, um sorriso verdadeiro.

— Você trata assim todos os trabalhadores dessa empresa? — Perguntou Demetria enquanto se dirigiam ao elevador central.

— Bom dia Lovato. — Disse ignorando a pergunta dela. Entraram no elevador e Joseph finalmente largou seu cotovelo. — Que roupa é essa? — Questionou com o cenho franzido depois que as portas se fecharam. — Isso é uma empresa de prestígio e você irá trabalhar em negócios o que significa que irá negociar com outras empresas, empresas essas que são geridas por pessoas como nós, o que faz com que reuniões aconteçam. É assim que você se apresenta numa reunião? — Demetria olhou para ele indignada e quando ia responder à letra ele continuou. — Não entendeu o que eu disse? Eu vou deixar você ver com seus próprios olhos. Mas aconselho-a a guardar o orgulho ferido para dentro. Você será motivo de piada em nossa sociedade.

Demetria queria responder, e mais que isso, queria puder espancar aquele homem. Não conseguia entender como alguém conseguia ser tão frio e arrogante e não conseguia entender o que tinha de errado com as suas roupas. Sabia que não eram como as roupas caras que os magnatas usavam e sabia que nunca seria como aquelas mulheres bonitas das revistas de moda, ela era só uma mulher que cresceu num dos bairros de New Jersey, mas era inteligente o suficiente para merecer aquele cargo. Ela iria conseguir realizar os negócios que eram necessários para aquela empresa, e não iria se preocupar com a roupa que vestia. Não iria gastar milhares de dólares em compras. Ela iria usar a inteligência em vez da aparência.

— Posso não ser como as mulheres que você está habituado a conhecer e você pode até não gostar disso, mas acredite, se eu posso vir a ser uma vergonha na sua sociedade, você já é uma vergonha na minha desde o primeiro momento em que a gente se conheceu!

E dito isso saiu no primeiro andar da empresa para conhecer cada um dos departamentos sozinha, deixando um Joseph furioso no elevador.

…

— Esta bem dona Demetria, o que você fez que deixou o Joseph tão nervoso? — Perguntou Austin quando encontrou Demetria perdida no departamento de contabilidade.

— Ele fica me ofendendo e depois não gosta quando eu lhe respondo. Ele deve pensar que tem tudo aos seus pés e não tem. Se ele está habituado a mandar nas pessoas então tenho pena dele, mas ele não vai fazer isso comigo. — Disse sem parar de andar pelos corredores dos escritórios.

— Wow! — Disse rindo alto, o que chamou a atenção de alguns funcionários.

— O que foi? Porque está rindo? — Perguntou confusa.

— Isso foi tão Jason Lovato. Ele sempre foi determinado assim, você não tem noção. — Respondeu.

— Na verdade não tenho mesmo. — Comentou cabisbaixa. A verdade é que Demetria gostava do seu avô e sentia a sua falta. Mesmo este não estando tão presente como deveria, sabia que ele sempre tinha pensado nela e por isso lhe deixara tudo aquilo em mãos.

— Desculpa. Eu não queria… Deus eu sou tão idiota. — Disse coçando a nuca envergonhado.

— Tudo bem, Mr. Sherlock Holmes. Não tem problema. — Falou agora sorrindo. Viu a confusão no rosto de Austin e riu.

— Mr. Sherlock Holmes? Sério? Preferia ser um George Clooney. — Falou divertido fazendo Demetria gargalhar.

Estavam à espera que o elevador chegasse e Demetria ainda ria quando as portas se abriram e um Joseph sério apareceu dentro do elevador. Demetria parou de rir nesse instante e entrou no elevador, sendo seguida por Austin.

— Parecem divertidos. — Joseph comentou.

— Formamos uma boa dupla. — Disse piscando para Demetria que sorriu envergonhada. — Sabe, você devia estar mostrando e explicando o funcionamento de cada departamento desta empresa para Demetria e você não está fazendo isso.

— E você não devia estar a dizer-me o que fazer Austin. Não se esqueça de que eu ainda sou seu superior e o fato de Demetria ser a nova presidente desta empresa, não muda nada. O trabalho continua o mesmo e você sabe que os sacrifícios também.

— Joseph, eu não sou a única presidente desta empresa. — Murmurou Demetria. De repente, toda a coragem que tinha tido anteriormente tinha desaparecido quando viu os olhos castanho mel de Joseph brilharem intensamente.

— Passaremos a tarde inteira trabalhando no meu escritório Demetria. Esse será um dos assuntos que iremos discutir lá.

Mais ninguém se pronunciou dentro daquele elevador, mas o silêncio que permanecera era incómodo. Joseph acabou por mostrar os restantes departamentos a Demetria, exceto o departamento administrativo onde ficavam os seus escritórios. Esses conheceriam mais tarde, depois do almoço. Demetria dava atenção em tudo o que Joseph falava. Apesar de ter raiva dele por insultá-la sempre que se esbarravam, ela tinha que ser profissional.

— Aquele é Charles, o diretor geral deste departamento. Qualquer documentação que lhe seja entregue em mãos, tem que ser feito por ele mesmo. Este departamento de advocacia, bem como o de contabilidade, é um dos mais importantes de todo o edifício. É aqui que são criados e analisados todos os contratos para as colaborações com outras empresas.

— Todos? Então você ou eu não analisaremos nenhum? — Perguntou confusa. Não imaginava os contratos de grandes negócios com empresas internacionais, serem analisados por alguém fora da administração.

— Não todos, às vezes nós mesmos fazemos isso. Depende do nível de negociação que se está a realizar.

— Entendi. — Finalizou.

Joseph olhou Demetria enquanto ela analisava atentamente o local. Ainda não acreditava que ela se estava mostrando ser tão parecida com Jason em algumas coisas. Lembrava-se de que o amigo também tinha a língua afiada e não poupava ninguém quando se tratava de palavras. Demetria aparentava ter a mesma determinação e domínio que Jason tinha e isso surpreendera Joseph. Era algo que ele não esperava, mas ainda não era o suficiente para fazê-lo mudar de ideias. Demetria ainda teria que batalhar muito para conseguir ser quem ele esperava que fosse.

O refeitório estava cheio e Demetria sentiu-se incomodada com os olhares masculinos sobre ela. Alguns eram de desdém, outros maliciosos e outros eram olhares indiferentes. Nunca vira tanto homem no mesmo local e não se sentia bem sendo uma das únicas mulheres naquele espaço. Não havia sinal de Joseph e Demetria perguntava-se agora se ele tinha pausas para se alimentar. Estava claro que Joseph levava o trabalho a sério e a falta de tempo para comer podia ser uma consequência disso.

Depois de almoçar uma salada fria, correu para ir até ao tão esperado departamento administrativo. Saiu do elevador e tal como Austin lhe dissera, virara à esquerda para ir em direção ao escritório particular de Joseph, mas antes que pudesse chegar perto da porta, uma voz aguda a impediu.

— Desculpe senhora, mas não pode estar neste departamento. — Demetria olhou para a mulher que estava sentada atrás da mesa de vidro e franziu o cenho. Porque Joseph não avisara que ela viria? Viu a mulher, que tinha de nome Ashley, olhá-la dos pés à cabeça com uma expressão de nojo no rosto e engoliu em seco. — Você está aqui para ser entrevistada para ocupar o lugar de cozinheira não é? O departamento de recursos humanos fica no quinto andar. Faça favor de se retirar, não é bom se um dos negociadores te vir por aqui.

Demetria viu Joseph vir até à porta de seu escritório, mas simplesmente ignorou.

— Porque não? — Perguntou contendo a raiva que estava clara em seus olhos.

— Querida, eu sou a secretária de Joseph Jonas, um dos maiores negociadores de programas informáticos e afins a nível nacional, você acha que ele vai gostar de te ver aqui? Você não tem classe alguma. No mínimo ele iria expulsá-la. Você não merece o chão que pisa neste momento.

Demetria não sabia o que dizer. Sentiu seus olhos ficarem úmidos e repreendeu-se mentalmente por ser tão fraca. Ouvira tantos comentários maldosos nos anos de escola que já nada lhe devia afetar. Olhou para a porta do escritório de Joseph e encontrou-o lá com o olhar frio e a postura firme. Tinha a esperança de que ele fosse repreender sua secretária por ela ter uma atitude daquelas com uma pessoa, mas ele nada fez.

Demetria respirou fundo, sorriu forçado e percorreu os olhos pelo local até encontrar o nome de Jason em alguma porta. Assim que o achou, saiu disparada para a sala e trancou a porta, encostando-se na mesma.

Ouviu a tal de Ashley gritar para que ela saísse da sala imediatamente, mas logo de seguida ouviu a voz de Joseph pedindo para que ela se calasse e voltasse ao trabalho. Escutou um bater na porta e ouviu a voz dura de Joseph pedindo para que pudesse entrar, mas ela nada fez. Demetria dissera que mudaria toda a sua vida para manter a honra dos Lovato, mas nunca imaginou que sua vida teria que mudar tanto ao aceitar aquela herança. Agora via que aquele trabalho seria o seu inferno e Joseph e Ashley seriam os demónios em sua vida.