28/01/2015

Inocente Demetria - 14º Capítulo


Jardins do Castelo de Miramare, Trieste, IT

Demetria parou de dançar e separou-se de Joseph rapidamente, evitando olhá-lo. Onde ela tinha a cabeça este tempo todo? Desde quando ela sonhava acordada e se deixava levar pelas fantasias de sua cabeça? Era o que aquilo era. Uma fantasia. Deixou-se iludir por um sentimento recente e agora estava tendo o que já devia esperar. Joseph não gostava dela, não da maneira que ela estava gostando dele.
— Demetria. — Ouviu chamar. Havia um tom de preocupação na voz dele.

Demetria estava horrorizada. Ele tinha visto muito mais do que alguém já tinha visto. Ele viu-a num dos momentos em que ela não aguentou e desabou. Eles se beijaram. Ele viu-a nua e tocou em seu corpo. Ela deixou-se ser tocada e gemeu de deleite nos braços dele, gostando dos carinhos e das palavras que ele lhe dissera. Onde ela tinha a cabeça para deixar que essa atração por Joseph crescesse? Porque começava a gostar dele?
— Demetria. — Chamou Joseph, desta vez segurando-a para que o olhásse.
— Desculpa, estava distraída. — Disse com o sorriso mais forçado que existia. — Quem é Alison? — Perguntou sinceramente.
— É sobre isso que eu tenho que te falar. Está na hora de você saber.
Demetria observou-o atenta. Ele estava respirando fundo, parecia tentar ganhar coragem para falar e não conseguia. Quando ele pegou sua mão e respirou fundo, ela entendeu que era uma coisa séria. Demasiado séria. Tentando esconder a todo o custo a decepção que sentia, Demetria apertou a mão dele, tentando lhe passar confiança.
— Pode falar. — Disse sorrindo, desta vez verdadeiramente.
— Alison é uma ex-namorada minha. — Confessou. — Mas não uma ex-namorada qualquer. Ela foi a única mulher por quem eu me apaixonei realmente.
— Apaixonou? — Perguntou querendo ter certeza de que ouvira bem.
— Sim. — Confirmou sorrindo fraco. — Completamente apaixonado. A gente se amava. — Disse pensativo. — Nós conhecemo-nos quando tínhamos dezoito anos e só consegui conquistá-la pra mim quando já tinha dezanove. Nós passamos por muita coisa pra ficarmos juntos. Os pais dela não apoiavam o relacionamento e tínhamos de namorar escondido. Foi fácil no começo, mas depois de um ano de namoro, quando terminei a faculdade de economia, tudo começou a complicar. A gente discutiu muito e pela primeira vez ficamos dias sem nos falarmos. Quando nos acertámos foi a melhor sensação do mundo. Eu sentia que estávamos mais fortes. Não só como um casal, mas a nível pessoal também. — Disse fazendo uma pausa, olhando o céu e respirando fundo. — Eu ia pedi-la em casamento.
Demetria olhou-o séria, ainda tentando entender toda aquela história. Ele ainda a amava. Ela tinha a certeza disso.
— O que aconteceu? — Perguntou interessada. Ela queria saber mais dele. Apesar de tudo, ela queria conhecê-lo, entendê-lo. Talvez tivesse um motivo para toda aquela frieza que ele deixava transparecer a maior parte das vezes.
— Ela me deixou. — Disse fazendo-a arregalar os olhos surpresa. Não conseguia imaginar alguém abandonando Joseph. Não conseguia sequer imaginá-lo amando alguém verdadeiramente. Isso era novidade e ela ainda não tinha a capacidade de entender aquele lado dele. Não a ponto de poder imaginar. — De um momento para o outro sem nenhum motivo. Sem dizer adeus, sem deixar bilhete, sem deixar rastro.
Joseph falava baixo e olhava o chão, mas não largou a mão de Demetria por nada. Precisava de sentir que ela estava ali com ele. Precisava de ter contato com ela para continuar. Custava-lhe lembrar daquilo. As lembranças eram sufocantes. A agonia, a dor e a saudade. Era torturador.
— Você não procurou por ela?Perguntou Demetria. Seu tom de voz não era mais alto que um sussurro.
— Procurei por meses. Fui a casa dela, na casa dos pais, aos amigos e por toda a cidade e arredores. Procurei pelo estado inteiro. Nem sinal dela. Nunca mais a vi, nunca mais falei com ela. Ela não queria ser encontrada e quando eu entendi isso acabei desistindo.
— E depois? Como você ficou? — Perguntou chegando mais perto. Mesmo tendo sido comparada a outra mulher, mesmo sabendo que Joseph não gostava dela, Demetria não conseguia deixar de se preocupar. Era mais forte que ela. Não queria que ele sofresse, sabia como era e não queria que isso acontecesse com ele. Tinha vontade de abraça-lo bem apertado e dizer que tudo ficaria bem.
— Acabado, deslocado do mundo, destruído... Pode escolher qualquer um dos adjetivos, todos eles se encaixam. — Disse soltando uma risada sarcástica. — No final de tudo afundei na bebida como um fraco.
— Joseph... — Suspirou Demetria ao imaginar como aquilo acabaria.
— Tudo ficava mais fácil quando não estava sóbrio. Doía menos e sentia menos. Eu fiquei pelo menos uma semana inteira sem saber o que era estar consciente. Quando me curava de uma já estava começando outra. Não virei viciado, mas agia como um. Parecia um. Perdi os amigos, meus irmãos e tudo o que me rodeava. Até os meus pais se cansaram do filho problemático. Eu me tornei um homem frio e arrogante. Me tornei no homem que sou hoje, que você conhece e odeia.
— Eu... Sinto muito._Disse. Joseph olhou-a e seus olhos encontraram-se. Ele esperava ver pena no olhar dela, mas tudo o que ele conseguia ver era um “tudo vai ficar bem”.
— Você perguntou-se antes como é que eu tinha conhecido o seu avô.
— Sim. Foi nessa altura? — Perguntou vendo-o assentir positivamente.
— Eu estava num bar perto do meu antigo apartamento quando seu avô me encontrou. Eu já sabia quem ele era na altura. Admirava aquele homem como nenhum outro. Desde que estudava na faculdade que sonhava em seguir as pisadas dele e criar um império meu. — Falou acariciando a mão de Demetria suavemente. — Eu estava no balcão bebendo uma cerveja quando ele sentou ao meu lado sem mais ninguém. Sem amigos, sem seguranças, nada do que estava acostumado a ver vindo de pessoas importantes como ele. Sabe como ele me disse oi? — Perguntou agora divertido. Era impossível não sorrir quando o tema era Jason.
— Não.
Disse-me que as taxas de juro estavam descendo e que aquela era a perfeita altura para ele criar uma nova filial da Magestic Incorporated. — Gargalhou. — Mesmo eu estando completamente bêbado, seu avô começou a falar de economia e colaborações empresariais e eu respondia o que sabia. Arrogante, frio e bêbado, mas mesmo assim respondia. Ele não ligava para o fato de eu ser um desconhecido ou de estar bêbado. Ele só chegou lá, sentou e falou. Perguntou se eu era da cidade, se fazia faculdade, se eu gostava de negócios e se gostava de esportes. Ele fez apenas essas quatro perguntas e uma hora depois de eu as ter respondido, apareceu um homem com um contrato para que eu fosse o braço direito de Jason dentro da empresa.
— Não acredito! — Exclamou Demetria surpresa.
— É verdade. Ele falou que tinha gostado de mim e que gostava que eu trabalhasse com ele e não para ele. Eu não acreditei quando vi o contrato e logo peguei numa caneta para poder assiná-lo. Quando estava quase assinando o meu nome ele tirou a caneta da minha mão e disse que o que eu estava fazendo era uma atitude imprudente. Disse para eu ir para casa mais tarde, tomar um banho, comer, ficar sóbrio e depois ler o contrato com calma. Que me esperava na segunda-feira seguinte se eu assim quisesse.
— Foi o que você fez?
— Foi, mas antes disso acabámos a noite bebendo cerveja e comendo salgadinhos enquanto víamos um jogo de futebol. Foi nessa noite que eu fiquei a conhecer Jason Lovato. Uma das pessoas mais honestas e verdadeiras que eu alguma vez conheci.
— Vocês eram tão amigos assim?
— Sim. Foi ele quem me ajudou quando eu mais precisei. Foi nele que eu confiei.
— Mas ele não ajudou você a sorrir como antes. — Sussurrou enquanto Joseph a puxava para mais perto dele, deixando os rostos próximos o suficiente para que ela sentisse a respiração dele.
Ele sabia que isso nunca aconteceria. Sabia que eram feridas que só eu podia curar.
— Eu nunca imaginei que você pudesse ter... Eu sinto muito por tudo isso.
— É um pouco difícil de imaginar, eu sei. Você é a segunda pessoa a saber disto. Não partilhe com ninguém, por favor.
— Não vou. — Disse rapidamente. — Mas tem uma coisa que eu não entendo. Você disse que eu era parecida com ela. — Falou baixo. Ela tinha sido comparada a uma mulher que tinha causado muito sofrimento a Joseph. Ela queria entender o porquê.
— Você é parecida com ela. — Afirmou. — Os olhos brilhantes, os cabelos, a estrutura física e até o jeito meigo e frágil de ser. Quando eu ainda me permitia sofrer por ela, cheguei a ficar com nojo do que ela tinha feito comigo. Ela me usou e deitou fora como se eu fosse um brinquedo, um objeto. Fiquei encantado pelo jeito doce e inocente dela e no fim acabei sendo usado. Quando vi o quão falsa ela era prometi a mim mesmo que nunca mais me ia envolver com uma mulher como ela, e se fosse, não seria mais que uma noite de sexo. Puro contato físico.
— É por isso que me odeia? Por eu te fazer lembrar dela? — Perguntou agora um pouco irritada. Ela estava levando o tratamento que Alison devia ter recebido. Era isso mesmo?
— Eu não te odeio Demetria. Muito pelo contrário. No principio fiquei com raiva sim, mas eu simplesmente me enganei a seu respeito. Você é como ela e ao mesmo tempo é totalmente diferente. — Disse vendo a expressão confusa no rosto dela.
— Como assim?
— Além da promessa que fiz a mim mesmo, também fiz uma promessa ao seu avô pouco depois dele ser diagnosticado com a doença. Ele me pediu para que cuidasse de você e eu prometi que o faria. Quando eu te vi naquele cemitério eu não queria acreditar nas semelhanças que havia entre você e Alison. Nunca pensei que teria que cuidar da mulher que mais se parecia com ela. Desde o primeiro momento em que eu te vi, já sabia que você era frágil e delicada. Eu consegui ver uma dor enorme em seus olhos naquele dia e alguma coisa me dizia que não era apenas pela morte do seu avô. Sabia que havia mais. Fantasmas do passado que você carregava nos ombros. Ainda carrega. A prova disso é o que aconteceu ontem no seu quarto de hotel. — Demetria desviou o olhar do rosto dele e apertou mais a mão de Joseph instintivamente. Não gostava de lembrar daquilo devido à dor que sentiu, mas ao mesmo tempo não queria esquecer-se do seu primeiro beijo com Joseph. Sentiu um arrepio na espinha e um tremor no corpo todo ao lembrar-se de como ele a tocara. — Mesmo vendo a sua fragilidade, fiquei com raiva de você por fazer-me lembrar de quem eu queria esquecer. Fiquei com raiva porque pensei que seria falsa como ela. Por isso que a tratei tão mal no principio. Foi por isso que a ofendi durante aquele tempo todo. Mas você me surpreendeu. — Disse sorrindo e colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Você me apanhou totalmente de surpresa e me conquistou como seu avô fez.
— O que quer dizer? O que eu fiz que te surpreendeu?
— Você me enfrentou. Por muito que você e Alison sejam parecidas fisicamente e principalmente na fragilidade que demonstram, ela sempre fugia dos problemas. Ela fugia do fogo e você não. Você me responde sem medo, me prova que consegue ser melhor que qualquer outro que a pode julgar e me enfrenta como nunca ninguém fez. Você não foge. Você é determinada e tem coragem. Essas eram as melhores qualidades do seu avô, e aparentemente você as herdou junto com tudo isto. — Disse indicando as roupas caras e o salão de baile mais ao longe. — Eu não consigo mentir pra mim mesmo Demetria. Eu ganhei um carinho e atração enorme por você e sinto que preciso cuidar de você. Não só porque prometi ao seu avô, mas porque não me sentiria bem se algo errado acontecesse com você.
— E... Porque me beijou ontem?
— Não foi por pena se é o que está pensando. — Esclareceu encarando seus olhos. — Eu te beijei porque já tinha vontade de fazê-lo antes. Você me atrai. O seu corpo, a sua maneira de ser, os seus olhos e sua boca. Tudo em você me atraí. Eu andava louco para sentir os seus lábios, a sua língua e o gosto da sua boca. Aquele beijo ajudou a nós dois Demetria. Ajudou a acalmar o meu desejo por você. — Mentiu. O desejo que ele sentia por Demetria não tinha acalmado. Muito pelo contrário, ele tinha sonhado com ela na noite passada, chegando a acordar excitado.
— Você diz que esse beijo ajudou a nós dois. Como isso me ajudou? — Oh ela sabia. Ela sabia como ele tinha ajudado a que ela se começasse a apaixonar por ele, mas não entendia o ponto de vista dele.
— Eu sei que não pareceu, mas quando você me olhou e chorou, eu fiquei desesperado. Fiquei desesperado para fazer você sorrir, fiquei desesperado para fazer você se sentir amada. Queria provar a você que é uma mulher linda e que é muito desejável. — Disse aproximando os lábios dos dela. — Acredite, eu sei do que estou falando. — Sussurrou roçando-os, fazendo-a suspirar. — E eu sei que o garoto imbecil que te tocou não fez as coisas da maneira certa. — Disse agora mais afastado. — As reações que o seu corpo tem ao toque das minhas mãos, tudo me mostra que você nunca foi amada ou tratada como devia ter sido desde o início. Não foi apreciada. Eu queria te ajudar, queria que você soubesse que pode sim, sentir-se amada.
Demetria sentiu o corpo arrepiar e sentiu sua cabeça pesar com tanta informação que estava recebendo. Tudo aquilo era loucura. Ela nunca imaginou que poderia viver algo assim. Nunca imaginou que deixaria que acontecesse algo assim. Ela não sabia onde aquela conversa iria parar, mas tinha coisas que ela ainda queria saber e uma delas deixava-a mais confusa do que todas as outras.
— E a gente? — Perguntou olhando-o nos olhos. — O que a gente tem exatamente?

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